terça-feira, 18 de agosto de 2009

O tempo de uma dedicatória

Fiquei pouco mais de duas horas na Livraria Martins Fontes. Duas horas e meia, no máximo. Parece muito. E seria, evidentemente, para qualquer leitor ou visitante que se propusesse a folhear livros ou a buscar um rosto conhecido entre os autores presentes. Mas para alguém como eu, um falso extrovertido que finge encarar com naturalidade situações como palestras, mesas redondas e lançamentos de livros, acaba sendo tudo muito rápido. Rápido por não termos tempo de nos acostumar ao ambiente e nos sentir à vontade, e não por ser gostoso demais e nos dar vontade de eternizar o momento (como normalmente ocorre em namoro recente ou diante de um pavê de chocolate daqueles que só as nossas avós sabem fazer). Rápido porque notamos a aproximação de algumas pessoas queridas, algumas que não vemos há anos, e não temos mais do que dois ou cinco minutos para elas. O tempo da conversa é o tempo da dedicatória. E quanto tempo se gasta para se escrever uma dedicatória?


Andei pensando sobre isso. Que tipo de coisa vale escrever para um leitor que não te conhece? Um deles, juro, pediu que eu não apenas fizesse uma dedicatória, mas fizesse também um desenho. Logo eu? "Vale qualquer coisa", ele disse. Rabisquei lá a qualquer coisa que ele queria. E achei curiosíssimo. Quem sabe um dia eu não pego o Milton Hatoum de jeito, ou o Moacyr Scliar, e os convenço a me fazer um desenho. Bom, pelo menos ele não me pediu um carneiro. Outra leitora se aproximou, checando se eu era de fato autor de um dos contos, e confessou seu orgulho nos dois minutos que levei para dedicar meu texto a ela. "Meu filho está ali na mesa, é um dos autores, tem apenas 18 anos e este é seu primeiro texto publicado." Meus parabéns! Creio que era Angélica o seu nome (o que não deixa de ser também inusitado, uma vez que o meu conto se chama Anjo da Guarda e um encontro de vampiros não é exatamente o lugar mais convencional para se encontrar pessoas angélicas).
Com os amigos, a coisa fica mais complicada. Reinaldo, meu tio, teve de ir embora antes que eu chegasse. Isso significa que fiquei lhe devendo um autógrafo. E também que terei tempo de sobra para fazê-lo (eu acho). Maíra e Luanda, minhas irmãs de vinte e poucos, se aproximaram com um exemplar. Ora, irmã não foi feita para receber dedicatória em livro. Irmã foi feita para se dizer as coisas frente a frente, dar um empurrãozinho ou uma reconfortada quando a situação pede, ou uns safanões quando necessários. Não tenho a menor ideia do que ficou gravado naquela página. A Tiche trouxe a Amanda, outra irmã, uma que eu ainda consigo levantar no colo. Aos oito anos, ela apontava uns autores vestidos de preto, com unhas pintadas, e queria saber quem ali era vampiro de verdade. Essa vai ter de esperar um pouquinho para ler esse livro.
Aline apareceu para me dar apoio. Não conta. Ainda estou devendo um livro para ela. O Felipe Gombossy não me engana: foi lá para retribuir minha presença na vernissage da exposição de fotos dele no mês passado. Mas o cara é gente fina. E acabamos conversando sobre Foz do Iguaçu, onde ele nasceu e de onde acabou de chegar. Dizem que os vampiros de lá são craques em muambas e se alimentam de sangue falsificado. Mas o que eu queria mesmo era saber como estão os preparativos do casamento dele. O Nepô chegou com a Andréa. Ou foi a Andréa que chegou com o Nepô? Não interessa. Pai e filha são amigos muito queridos, provavelmente as pessoas de quem eu tenho as mais antigas lembranças excetuando-se meus familiares. Conheço-os desde os meus cinco anos e, como quase não nos vemos mais, sinto saudade com frequência. Com eles, até tentei escutar o que me diziam sobre o Tom, filho e irmão estudante de jornalismo que está de estágio novo. Mas a dedicatória termina logo. E a cabeça se divide entre a conversa truncada, as palavras rabiscadas em pé, os outros amigos que se aproximam...
Samuca, Nath e dois Felipes cruzam a porta. Esses são especiais. Especiais porque formam um pouco da ração do meu dia a dia. Quem passa oito horas ou mais, todos os dias, numa redação, aprende a se apoiar e se alimentar das expressões e dos gestos de quem vive ao redor. No meu caso, tenho o Samuca à minha frente e a Nath a meu lado, como se ambos ocupassem casas brancas de um tabuleiro de xadrez e eu vivesse numa casa preta. Ou vice-versa. É o tipo de simbiose em que um espirro é registrado, uma dúvida é espontaneamente perguntada, e nenhuma conversa ao telefone consegue passar despercebida ou em sigilo pelo outro. Alguém acha justo resumir uma dedicatória a esse tipo de amigo a três linhas mal traçadas, principalmente quando a caligrafia é uma desgraça e a ansiedade só piora as coisas?
De repente, o Alê se aproxima. Com a mulher e duas filhas pelas mãos. Outra viagem no tempo. Alê foi meu professor de artes no ginásio e me dirigiu como ator de teatro durante dois anos, entre 1995 e 1996. Aprendi muita coisa com ele, sobre o teatro do absurdo, sobre cinema e crítica cultural, e especialmente sobre a convivência entre lúdico e burlesco em todos os setores da vida humana, o barato de não se levar tão a sério, a poesia do cafona e a cafonice do poeta, e mais uma porção de coisas que não cabem em um post. Ele me conta que a filha está aficionada por histórias de vampiro e, após cinco anos desde nosso último encontro, sou obrigado novamente a reduzir o papo para fazer a fila andar.
Acho que ainda vou precisar comer muito feijão para me tornar minimamente simpático e à vontade em um lançamento de livro. Ainda bem que, por enquanto, não tenho nenhum outro a caminho.

Um comentário:

  1. "Ainda bem que, por enquanto, não tenho nenhum outro a caminho."

    Por enquanto, mocinho, por enquanto.
    Vá guardando essas confissões, pois darão uma bela coletânea, está delicioso de se ler, é sincero (o que é o mais importante) e bem escrito.

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