terça-feira, 29 de março de 2011

Lula lá - a alegria de se abraçar


O cara já deixou a presidência faz tempo e continua causando. Lendo o post de hoje do blog do Ricardo Kotscho, fiquei sabendo que a discussão do momento é sobre a autoria do slogan "Lula lá", transformado em lema da primeira campanha de Luiz Inácio ao Planalto e adotado no jingle de Hilton Acioli que acabou virando hino de uma geração. Quem tem mais de 30 anos certamente se lembra de versos como "é a gente junto / valeu a espera / meu primeiro voto pra fazer / brilhar nossa estrela", ou ao menos do hit "sem medo de ser / sem medo de ser / sem medo de ser feliz".


Tudo porque a Folha de S. Paulo atribuiu o "Lula lá" ao marketeiro Paulo de Tarso Santos em matéria recente. E jamais publicou o desmentido de Maurício Maia, filho do gênio Carlito Maia, verdadeiro autor da marca. Foi Paulo de Tarso quem levou a frase a Hilton Acioli, o compositor responsável por criar o jingle. Ao que parece, neste episódio, Paulo de Tarso agiu como um intermediário, uma espécie de motoboy responsável por levar o mote ao glosador.


Conheci Carlito Maia, já velhinho, em uma festa do PT no início dos anos 1990. Publicitário, ele foi dos grandes criadores do partido, autor de sacadas surpreendentes como o logo "oPTei", estampado até hoje em camisetas, bonés, canetas, broches e adesivos, e o inspirador "solidaried'AIDS", disseminado em parachoques e vidros de carros ao longo dos anos 1990. Também a expressão "PT saudações", usada pelos militantes de primeira hora para assinar cartas e bilhetes, foi lançada por ele, em uma coluna que assinava na Gazeta de Pinheiros na década de 1980. A propósito, para quem nunca viu um telegrama de perto, vale explicar que pt representava ponto, da mesma maneira que vg representava vírgula, na redação truncada e sem pontuação dos velhos telegramas - de modo que "pt saudações" era assinatura corriqueira nesse tipo de correspondência.


"Lula lá", o jingle, marcou época na voz dos cantores Gilberto Gil, Djavan e Chico Buarque (vídeo acima) e também ao reunir, no programa eleitoral, dezenas de atores globais, como José Mayer, Malu Mader, Marieta Severo, Aracy Balabanian e Hugo Carvana (mais ao alto), todos em apoio à candidatura do torneiro mecânico.


Carlito, meu caro, quem viu de perto todo aquele movimento acontecer, e torceu por ele com ânimo renovado e a esperança de ver um Brasil diferente, não está nem aí para as sandices da imprensa. Certas coisas são História, permanecem para sempre nos arquivos e nas lembranças - mesmo quando um jornal erra, no afã histriônico de tentar reescrever os fatos.

sábado, 26 de março de 2011

Na minha mão é mais barato

Outro dia o Rafael chegou até minha mesa e me mostrou um cartão azul. "Disk ingresso". Mais embaixo, um número de celular. Duas semanas antes, ele havia dado início à apuração de uma reportagem sobre a atuação dos cambistas em São Paulo. Valia de tudo: jogos de futebol, shows internacionais, baladas com ícones da música eletrônica se apresentando nas pick ups. Sua missão era desmontar, decifrar, descobrir todos os esquemas utilizados por esses intermediários de elite, essa tropa de fornecedores que ganham a vida cobrando ágio em troca da conveniência de oferecer bilhetes de última hora a quem não conseguiu ou não quis comprar entradas pelo preço oficial, por telefone, internet ou nas bilheterias. O resultado está na matéria de capa da edição de Época SÃO PAULO que chega hoje às bancas da região metropolitana, de graça para quem comprar a Época.


Rafael Barifouse é carioca, radicado há quatro anos em São Paulo. Está conosco desde dezembro e assina, agora, sua primeira matéria de capa - a primeira capa na Época SÃO PAULO, após ter feito uma porção delas na Época Negócios, seu endereço anterior. Por dois meses, testou toda forma de cambismo que conseguiu encontrar. Homens e mulheres, pobres e ricos, velhos ou novos, há de tudo no câmbio negro do entretenimento paulistano. Para a revista, ele conseguiu listar seis tipos diferentes de cambistas, desde o falsificador de ingressos até o que tem "compadres" infiltrados nas empresas que organizam eventos e, de lá, conseguem desviar lotes inteiros de entradas. Rafael também foi à polícia para cobrar explicações: por que não se faz nada para coibir esse mercado, responsável por esgotar mais cedo os ingressos oficiais e inflacionar seu preço? Tudo isso você encontra na revista. E corra para adquirir a sua, antes que elas acabem e você tenha de recorrer a um cambista.

domingo, 20 de março de 2011

O noivo, a noiva e o Padre Filinto

Ele tinha 24 anos. Cedo para casar, diziam alguns parentes e amigos.
Mas o amor dizia outra coisa.
Ela tinha 27, dois anos e meio a mais do que ele.
Mas a juventude necessária para rejuvenescê-lo.


Foram quatro anos de namoro até o pedido. Careta, cafona e neófito por completo nas artes do romance e da sedução, ele a levou a um restaurante que nada tinha a ver com os dois para comemorar o quarto aniversário. Cozinha mediterrânea, com mesas redondas e louça trabalhada, repleto de cabeças calvas e brancas (algumas eram as duas coisas simultaneamente). Tirou uma caixinha preta do bolso e ela voltou pra casa, na manhã seguinte, com um anel novo. Mais um ano e meio para conseguir vaga na capela, contratar salão e bufê, encomendar convites, bolo, noivinhos, bem-casados, acertar os detalhes com padre, coral, florista, DJ, luz, gerador, fotógrafo, cinegrafista, hotel para a noite de núpcias, hotel para a lua de mel. Vestido para ela. Costume para ele (a Mari o ajudou a escolher). A gravata foi emprestada. Os sapatos dele ganharam uns três centímetros de salto para não passar vergonha no altar. Tudo tão bonito...

Ela entrou sozinha, decidida, arrastando a barra do vestido pelo corredor. Ainda bem que a nave é pequena na capela São Francisco. Ele caminhou até o meio da nave para buscá-la e caminharem juntos os últimos metros. Marcha nupcial executada ao vivo. Coisa fina. Chico, um dos padrinhos, leu aquele trecho famoso da carta de Paulo aos Coríntios. Ainda que eu falasse línguas, a dos homens e a dos anjos, sem o amor eu não seria nada. O padre fez a outra leitura, sobre a casa que é edificada sobre a pedra. Depois, leu os dez mandamentos do casal - um divertido discurso que instrui os dois a serem compreensíveis: "se alguém tiver de ganhar a discussão, deixe que seja o outro".

Padre Filinto conhecia o noivo havia bom tempo. Nascido em Goa, na Índia, e membro da Congregação de Santa Cruz, morava no mesmo colégio em que o rapaz estudara dos 10 aos 17 anos, e atuava ali como animador espiritual - espécie de palestrante motivacional para as questões do espírito. No dia a dia, trombando com os alunos nos corredores e nos intervalos, costumava segurar os braços dos menos aplicados e meter-lhes um soco no deltóide, esse músculo localizado entre o bíceps e o ombro, onde costuma ficar a marca da vacina BCG. "Tem que estudar", dizia, e perguntava as notas tiradas.

Em seguida, quando o imberbe estudante de 18 anos se aproximou das atividades de pastoral e virou monitor dos encontros de jovens realizados com alunos do ensino médio do antigo colégio, o padre se tornou consultor e parceiro. Padre Filinto foi quem intermediou os quatro sacramentos do moço: o batismo, a primeira comunhão, a crisma e o matrimônio. Confessar-se com ele era uma experiência inusitada de impunidade. O pecador, envergonhado, foi sempre perdoado sem cumprir pena alguma. Nem uma ave-maria sequer. Pode isso, Arnaldo? Tempos de fé e esperança, confirmados nas duas belas capelas do colégio, entre vitrais de Alfredo Volpi. Após o casamento, o noivo doou uma sexta básica e uma série de coisas aos trabalhos de pastoral assessorados por ele. Ao padre, deu duas garrafas de uísque.

Recentemente, soube que Padre Filinto foi afastado das atividades do colégio. Passou um tempo no interior do Paraná, aprendendo a administrar o alcoolismo e a se manter longe dos copos, e mudou-se para o Canadá. Lá, assumiu um cargo burocrático junto à cúpula da congregação, afastando-se da atividade educacional que desempenhou por tantos anos. Hoje, quando os noivos comemoram sete anos de casados, acordei pensando em Padre Filinto. Nunca mais o vi. Talvez sim, uma ou duas vezes após a cerimônia, certamente mais de cinco anos atrás. Pensei nas garrafas de uísque que lhe dei de presente. Pensei nos socos que ele dava nos ombros dos alunos e em como costumava puxar as bochechas das garotas, risonhas e estabanadas em plena adolescência. Gostaria de vê-lo novamente. De tomar uma coca-cola com ele, colocar o papo em dia, conversar um pouquinho sobre os tais desígnios de Deus. Ele os têm, de fato? "Com Deus, não temos de ver para crer, mas crer para ver", ele costumava dizer, para tentar driblar a inquisição implacável dos mais questionadores. Tenho saudade de seu sotaque. Onde estiver, te abraço com a Paz de Cristo.

sábado, 12 de março de 2011

O CD da Rita

Fiquei feliz ao saber que a Rita Gullo havia lançado seu primeiro disco. Lá se vão uns três anos, talvez mais, desde quando a ouvi cantar pela primeira vez, em um desses bares da vida (ou da Vila). Voz afinada, timbre macio, habilidade em transitar suavemente entre os graves menos visitados da pauta - e, acima de tudo, um repertório montado para nos lembrar, hoje e sempre, o tempo em que nossas composições mereciam tanta atenção quanto as interpretações e os arranjos.


Rita estudou canto lírico. E, para nossa sorte, optou por transferir seu aprendizado à música popular. O resultado é um cancioneiro repleto de árias assinadas por gente da estirpe de Gilberto Gil, Dori Caymmi, Tavinho Moura, Milton Nascimento, Lupicínio e Caetano Veloso. Tem uma do Lenine ali no meio, para provar que também existe música de qualidade pós anos 1990, e versões para belas melodias latinas, como "Sueño con Serpientes", canção de Silvio Rodriguez também conhecida na voz da Mercedes Sosa, e "Era de Amar", do uruguaio Jorge Drexler, aquele da trilha de "Diários de Motocicleta".

Tenho lido por aí sobre a participação generosa e especialíssima de Chico Buarque na faixa "A Mulher de Cada Porto". Conversa. O trunfo de Rita não é ter Chico jogando no seu time, dividindo consigo os vocais, em dueto, de uma música que é dele. Outras cantoras receberam a mesma ajudinha em seus discos de estreia, e Marina de La Riva é apenas um exemplo. O trunfo está, mais do que isso, no belíssimo naipe de instrumentistas reunidos por ela - gente como Nailor Proveta, Toninho Ferragutti, Adriano Busko, Teco Cardoso e Fabio Tagliaferri - e na sensibilidade para revirar gavetas até encontrar partituras que clamavam havia tempos para serem gravadas.

Na minha (modesta e despreparada) opinião, a grande faixa do disco é "O Cantador", não somente pela beleza da execução, mas também pela grandeza da composição ("De que servem meu canto e eu / Se em meu peito há um amor que não morreu / Ah, se eu pudesse ao menos chorar... / Cantador, só sei cantar"). Não me atrevo a listar quantas pessoas já a gravaram, e nem sei se foram muitas. Pessoalmente, eu conhecia apenas a gravação da Elis, de meados dos anos 1960, que tenho num bolachão antigo e riscado, uma compilação dos maiores sucessos da "Era dos festivais". Os equívocos, notados após duas atenciosas audições por meus ouvidos canhestros, são três: uma nota meio fora do prumo em "Sentinela", uma canção do Everything But The Girl que parece não se encaixar no repertório, e, a única com alguma relevância real para a carreira de Rita, a ausência de composições inéditas ou boas criações feitas por artistas contemporâneos.

O que eu espero, como o fã que já me tornei, é que Rita não demore demais para começar a trabalhar no segundo disco. E que ele venha temperado com a ousadia de quem arrisca apostar em novidades, seja investindo em composições próprias (não sei se Rita compõe) ou arregimentando meia dúzia de jovens compositores que possam lhe nutrir com coisas inéditas, novas, que recendam à brisa do futuro. Assim, ela evitará repetir o mesmo tropeço de Mônica Salmaso, uma exímia cantora com estofo lírico e ótimos músicos (muitos deles também tocam com Rita), que não conseguiu evitar a pecha de "antiga" por jamais ousar uma composição recente, uma faixa que não lhe garantisse a segurança inequívoca de quem se apoia em autores clássicos. "Cantador não escolhe o seu cantar", diz a letra de Nelson Motta para a melodia de Edu Lobo em "O Cantador". Mesmo assim, estarei à espreita, ansioso para ouvir em primeira mão tudo o que essa jovem promissora, de vasto sorriso, nos oferecer a partir de agora, nesse latifúndio de notas, nesse caminho sem volta. Parabéns, Rita!
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FUI MAL: Depois de publicar o texto acima, fui informado de que uma das faixas do disco é, sim, inedita. Trata-se da canção Espelho, de Eduardo Pitta e Xande Mello: http://soundcloud.com/rita-gullo/10-espelho

terça-feira, 8 de março de 2011

Imagens de Inhotim

Visitei o maior museu a céu aberto do mundo, logo ali em Brumadinho (MG), nos últimos dias de dezembro do ano passado. São diversos pavilhões e obras de arte contemporânea espalhados pela antiga fazendo do Nhô Tim, daí o nome do Instituto, que também congrega uma invejável coleção de palmeiras e outras plantas. De uns tempos pra cá, ouvi boatos de que Bernardo Paz, o empresário dono daquilo tudo, lava dinheiro com o mecenato. Não quis saber os detalhes. Seria muita decepção para quem ficou absolutamente encantado com tamanha beleza. Lavagem de dinheiro ou não, o lugar é bonito que só vendo. Dá só uma espiada:









 

sábado, 5 de março de 2011

O périplo dos melhores hambúrgueres

Descobri uma coisa: sou doido por hambúrguer. Descobri outra coisa: estou completamente por fora do maravilhoso universo hamburguístico paulistano. Foi só pegar a mais recente edição da Época SÃO PAULO e conferir a reportagem de capa - que ajudei a editar - para me dar conta de que, dos 14 estabelecimentos campeões no preparo do sanduíche, eu já havia comido em apenas três. Que-ver-go-nha!


Não esperei nem a revista chegar às bancas para dar início à maratona de estudo de campo. Comigo é assim. Quando percebo que claudico em algum conteúdo relevante para meu desenvolvimento pessoal e profissional, trato logo de buscar conhecimento. No caso, resolvi agendar visitas a algumas das hamburguerias mais famosas (e melhores) da cidade. Em duas semanas, fui a três: o Joakin's, apenas para confirmar a suspeita de que a tradição e o movimento na madrugada independem de uma cozinha nota dez, o 210 Diner e o St. Louis - esses, sim, titulares em qualquer escalação.


Dos 14 salões recomendados por Época SÃO PAULO na referida revista, agora eu já conheço cinco: o Ritz, a Lanchonete da Cidade, a Hamburgueria do Sujinho, o St. Louis e o 210 Diner. Também já fui ao Gardênia e ao Nou, citados na reportagem, embora jamais tenha comido hambúrguer nesses locais. Até o fim de março, pretendo provar os lanches do Rothko - o sanduíche chega à mesa com uma cúpula e envolto em fumaça de churrasco, e leva queijo da Canastra! - e da sofistica Forneria San Paolo - o cheeseburguer é grelhado com cheddar e envolto em massa de pizza, assada no forno a lenha. Vai ficar faltando o Seu Oswaldo, a Hamburgueria Nacional, o P. J. Clarke's... Mas até junho eu liquido todos! Uma coisa eu sei: já devo estar um pouquinho mais gordo do que antes. Ainda bem que minha academia funciona 24 horas.