domingo, 20 de março de 2011

O noivo, a noiva e o Padre Filinto

Ele tinha 24 anos. Cedo para casar, diziam alguns parentes e amigos.
Mas o amor dizia outra coisa.
Ela tinha 27, dois anos e meio a mais do que ele.
Mas a juventude necessária para rejuvenescê-lo.


Foram quatro anos de namoro até o pedido. Careta, cafona e neófito por completo nas artes do romance e da sedução, ele a levou a um restaurante que nada tinha a ver com os dois para comemorar o quarto aniversário. Cozinha mediterrânea, com mesas redondas e louça trabalhada, repleto de cabeças calvas e brancas (algumas eram as duas coisas simultaneamente). Tirou uma caixinha preta do bolso e ela voltou pra casa, na manhã seguinte, com um anel novo. Mais um ano e meio para conseguir vaga na capela, contratar salão e bufê, encomendar convites, bolo, noivinhos, bem-casados, acertar os detalhes com padre, coral, florista, DJ, luz, gerador, fotógrafo, cinegrafista, hotel para a noite de núpcias, hotel para a lua de mel. Vestido para ela. Costume para ele (a Mari o ajudou a escolher). A gravata foi emprestada. Os sapatos dele ganharam uns três centímetros de salto para não passar vergonha no altar. Tudo tão bonito...

Ela entrou sozinha, decidida, arrastando a barra do vestido pelo corredor. Ainda bem que a nave é pequena na capela São Francisco. Ele caminhou até o meio da nave para buscá-la e caminharem juntos os últimos metros. Marcha nupcial executada ao vivo. Coisa fina. Chico, um dos padrinhos, leu aquele trecho famoso da carta de Paulo aos Coríntios. Ainda que eu falasse línguas, a dos homens e a dos anjos, sem o amor eu não seria nada. O padre fez a outra leitura, sobre a casa que é edificada sobre a pedra. Depois, leu os dez mandamentos do casal - um divertido discurso que instrui os dois a serem compreensíveis: "se alguém tiver de ganhar a discussão, deixe que seja o outro".

Padre Filinto conhecia o noivo havia bom tempo. Nascido em Goa, na Índia, e membro da Congregação de Santa Cruz, morava no mesmo colégio em que o rapaz estudara dos 10 aos 17 anos, e atuava ali como animador espiritual - espécie de palestrante motivacional para as questões do espírito. No dia a dia, trombando com os alunos nos corredores e nos intervalos, costumava segurar os braços dos menos aplicados e meter-lhes um soco no deltóide, esse músculo localizado entre o bíceps e o ombro, onde costuma ficar a marca da vacina BCG. "Tem que estudar", dizia, e perguntava as notas tiradas.

Em seguida, quando o imberbe estudante de 18 anos se aproximou das atividades de pastoral e virou monitor dos encontros de jovens realizados com alunos do ensino médio do antigo colégio, o padre se tornou consultor e parceiro. Padre Filinto foi quem intermediou os quatro sacramentos do moço: o batismo, a primeira comunhão, a crisma e o matrimônio. Confessar-se com ele era uma experiência inusitada de impunidade. O pecador, envergonhado, foi sempre perdoado sem cumprir pena alguma. Nem uma ave-maria sequer. Pode isso, Arnaldo? Tempos de fé e esperança, confirmados nas duas belas capelas do colégio, entre vitrais de Alfredo Volpi. Após o casamento, o noivo doou uma sexta básica e uma série de coisas aos trabalhos de pastoral assessorados por ele. Ao padre, deu duas garrafas de uísque.

Recentemente, soube que Padre Filinto foi afastado das atividades do colégio. Passou um tempo no interior do Paraná, aprendendo a administrar o alcoolismo e a se manter longe dos copos, e mudou-se para o Canadá. Lá, assumiu um cargo burocrático junto à cúpula da congregação, afastando-se da atividade educacional que desempenhou por tantos anos. Hoje, quando os noivos comemoram sete anos de casados, acordei pensando em Padre Filinto. Nunca mais o vi. Talvez sim, uma ou duas vezes após a cerimônia, certamente mais de cinco anos atrás. Pensei nas garrafas de uísque que lhe dei de presente. Pensei nos socos que ele dava nos ombros dos alunos e em como costumava puxar as bochechas das garotas, risonhas e estabanadas em plena adolescência. Gostaria de vê-lo novamente. De tomar uma coca-cola com ele, colocar o papo em dia, conversar um pouquinho sobre os tais desígnios de Deus. Ele os têm, de fato? "Com Deus, não temos de ver para crer, mas crer para ver", ele costumava dizer, para tentar driblar a inquisição implacável dos mais questionadores. Tenho saudade de seu sotaque. Onde estiver, te abraço com a Paz de Cristo.

Um comentário:

  1. Não vou chover no molhado, né?...
    Mas então quer dizer que teu passado te absolve? Bom saber!
    Bons pastores, bons meninos.
    Bom, mesmo!

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