segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Fragmentos de um discurso eleitoral


1- Aos 23 anos de idade, Francisco Buarque de Holanda foi chamado de velho. Seguia gravando sambas enquanto outros jovens de sua idade se uniam ao redor de um projeto que ganharia o nome de tropicalismo, repleto de arroubos sonoros e estéticos. A argumentação do grupo de Caetano, Gil, Tom Zé e Capinam era de que aquele rapaz tímido de olhos azuis preferia reproduzir o que havia de mais tradicional na música popular brasileira em canções como “Ela desatinou”, “Januária”, “Sabiá” ou “Quem te viu, quem te vê”, quando a modernidade proposta por eles indicava o caminho correto da novidade. No meio da polêmica, Tom Zé disse o seguinte: “Respeito muito o Chico, afinal ele é nosso avô”. O bonitão de olhos azuis saiu-se com essa: “Nem toda loucura é genial, como nem toda lucidez é velha”.

2- Em São Paulo, essa foi a eleição do novo. Novo pra lá, novo pra cá. Primeiro, uma novidade chamada Celso Russomanno ocupou a primeira colocação nas pesquisas ao longo de mais de uma dezena de semanas. Depois veio Haddad, inventado por Lula, que consolidou a vitória. São Paulo já apostou outras vezes no novo. Escolheu uma nordestina pobre, formada nas ligas camponesas, no pleito de 1988, quando todas as pesquisas indicavam o desejo do paulistano em manter o velho. Mais tarde, escolheu o primeiro prefeito negro da capital paulista em 1996, novamente sob a égide do novo, com a diferença de que, naquela ocasião, o novo era o candidato apoiado pelo velho, favorecido por uma conjuntura de pujança econômica que lhe permitiu fazer o sucessor. Grosso modo, Kassab também era o novo ao vencer as eleições de 2008. Embora governasse a cidade havia dois anos, o prefeito era desconhecido pela maior parte da população. Muitos foram descobrir seu rosto e sua voz nos programas eleitorais daquele ano. Curiosamente, três novidades se encontraram em 2012: Russomanno, Chalita e Haddad. Uma delas foi eleita. E tem gente que ainda diz que os paulistanos são conservadores.

(foto: Paulo Pinto)

3- Se Haddad é cria do Lula, um político que está no circuito desde 1980, quando fundou o PT (ou desde 1982, quando disputou sua primeira eleição, para o governo do Estado), o mais lógico é chamá-lo de novo ou de velho? Sendo assim, como considerar a vitória de ACM Neto sobre Nelson Pelegrino em Salvador? É o velho carlismo que retorna, como o velho lulismo a São Paulo, ou o neto de Toninho Malvadeza deve ser listado no rol dos novos líderes do amanhã? Na extremidade oposta, seu oponente derrotado, tendo sido endossado pelo ex-sindicalista Jacques Wagner, quadro antigo do PT, pode reivindicar a imagem do novo? O que justifica, em 2012, a vitória de um neto de ACM, na “cidade da Bahia”, se não um desejo de retomada de valores perdidos ou o saudosismo perante um jeito de lidar com a res publica que os tais homens novos, carentes de pedigree, não conseguem ofertar? E a eleição de Arthur Virgílio, em Manaus, como explicá-la sem relativizar a iminência do novo? “São Paulo é como o mundo todo”, cantou Caetano. Mas o mundo não é São Paulo. Nem o Brasil.

4- O adversário de Haddad nessa eleição era um político de 70 anos que disputou mais eleições do que nenhum outro candidato na última década. O rosto de José Serra estava nas urnas eletrônicas em 2002, quando perdeu a presidência para Lula. Voltou aos palanques dali a dois anos, em 2004, para conquistar a prefeitura paulistana. Incansável, abandonou o cargo um ano e três meses depois da pose a fim de disputar o governo do estado, em 2006. Venceu. Dali a quatro anos, quando poderia ter tentado se reeleger ao Palácio dos Bandeirantes e apoiar a candidatura de Aécio à presidência, o desejo de ser presidente falou mais alto e, diante da ausência de um nome forte do PT à sucessão de Lula, entrou em campanha certo de que passaria a despachar no Palácio do Planalto. Perdeu para Dilma, taxada de “poste de Lula” pelos adversários. No mesmo pronunciamento em que reconheceu a derrota, anunciou: “eu voltarei”. Ontem, foi derrotado pela segunda vez para um poste de Lula.

5- Serra não perdeu para Haddad. Ele perdeu para si mesmo. Perdeu por uma sequência de erros (ou idiossincrasias) que, repudiados pela população, culminaram no fracasso de seu projeto político. Começou a perder no dia em que abandonou a prefeitura para disputar o governo do estado, no começo de 2006, mesmo tendo assinado um termo de compromisso comprometendo-se a permanecer no cargo por quatro anos. Perdeu novamente ao afirmar, repetidas vezes, que não seria candidato novamente à prefeitura de São Paulo. Nessas ocasiões, justificava dizendo que sua cabeça estava mais voltada para um projeto nacional. Perdeu mais alguns tentos ao voltar atrás, mudar de ideia, rever sua posição e, finalmente, declarar-se candidato, num momento em que seu partido não só havia marcado a data das prévias, como quatro pré-candidatos já haviam se lançado em campanha, realizando inclusive audiências regionais para discutir programas e projetos com seu potencial eleitorado. No início da campanha, liderava as pesquisas de intenção de votos – mas também era líder em rejeição. Deixou para apresentar seu plano de governo apenas no segundo turno, a 12 dias da votação; usou o “kit gay” para atacar Haddad; investiu sua artilharia para atacar o PT dos mensaleiros enquanto a maioria dos eleitores tinha olhos para o PT do Bolsa Família, do Pro-Uni e do Minha Casa Minha Vida; defendeu a gestão Kassab, avaliada negativamente por metade da cidade; foi incapaz de montar uma agenda positiva ou mesmo um discurso de oposição que, em vez de episódios da década passada, atacasse erros atuais do governo do PT, como a sucessão de apagões; desmereceu a ideia de “novidade” propalada pela campanha adversária. Saiu da eleição pior do que entrou: com menos capital político, pouca chance de se lançar em qualquer disputa daqui a dois anos, brigado com setores do partido (em especial com alguns dos pré-candidatos que se viram desrespeitados no começo do ano) e identificado com uma maneira de fazer política baseada no ranço, na raiva, na agressividade e na prepotência.

(foto: Fernando Donasci)

6- “O partido como um todo vai precisar mesmo de renovação”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, após a apuração. Citado por José Serra como seu “melhor amigo”, FHC exerce no PSDB a influência irrefutável que apenas os mestres bem sucedidos são capazes de exercer. Há poucos meses, decretou: o candidato tucano a presidente em 2014 deve ser Aécio Neves. Agora, retoma um tom semelhante ao fazer, sobre a derrota do amigo, a mais coerente das análises. A prioridade, segundo ele, deve ser “empurrar os novos para irem para a frente”. Curiosamente, a lição é exatamente a que o PT colocou em prática, em alguns lugares mais do que em outros, já a partir de 2005, quando estourou o escândalo do mensalão. A sangria de alguns nomes históricos do partido, como os de José Dirceu e José Genoino, seguida da ruína de outros quadros considerados promissores para uma possível candidatura ao governo paulista, como Antonio Palocci e João Paulo Cunha, catalisou a abertura de espaços para que novos nomes fossem viabilizados. Lula foi o primeiro a ter a agilidade de perceber o quanto isso exigia rapidez, e sabia que, se não assumisse uma postura mais incisiva nesse sentido, alguns dos velhos nomes petistas, por mais que agonizassem em praça pública, tentariam ainda resistir, pediriam apoio, clamariam por uma última oportunidade, recorreriam às bases, à voz rouca das ruas ou às prévias internas. Marta Suplicy quase tomou o lugar de Haddad nessa campanha. Não levou. De forma semelhante, José Serra reivindicou seu quinhão quando Bruno Covas, Andrea Matarazzo, José Aníbal e Ricardo Tripoli estavam com as prévias agendadas. Levou. Matarazzo se tornou o segundo vereador mais votado de São Paulo. Tripoli e Aníbal são deputados federais. Covas é deputado estadual, licenciado para ocupar a secretaria estadual de Meio Ambiente. Todos eles estarão em 2013 exercendo um mandato para o qual foram eleitos – e todos com um futuro mais promissor do que o de Serra.

7- Lula foi um vencedor, mas contabilizou derrotas importantes. Depois de São Paulo, talvez a cidade que mais tenha recebido sua atenção nessa jornada tenha sido Salvador, exatamente pela intenção de evitar a ressurreição do carlismo e a vitória de uma liderança do DEM com a envergadura e a disposição de ACM Neto. Ele, o baiano, sai fortalecido dessa eleição, como um dos líderes da oposição – e a vantagem de ter apenas 33 anos de idade e combustível para mais 40 anos de vida pública. Lula perdeu também em Fortaleza, capital que deixará de ser governada pelo PT a partir de janeiro. Perdeu também em Diadema, reduto governado pelo PT há 12 anos, onde o prefeito Mário Reali tentou a reeleição por imposição de Lula (o nome preferido de outros petistas influentes era o de José di Filippi, ex-prefeito do município) e foi preterido em favor do “novo” representado pelo jovem Lauro Michels (PV), de apenas 30 anos de idade. Outra aposta mal sucedida de Lula foi na candidatura do economista Márcio Pochmann, em Campinas. Neófito nas urnas, Pochmann é professor da Unicamp e foi escolhido por Lula para presidir o Ipea. Neste ano, Lula o indicou como candidato em moldes muito parecidos com os da escolha de Haddad em São Paulo. Pode ser que ele ainda se torne um nome viável, mas ainda não foi dessa vez. Outro ex-ministro de Lula derrotado foi Patrus Ananias, em Belo Horizonte, a despeito da dedicação pessoal da presidente Dilma em apoiá-lo, de modo que nem tudo que Lula toca vira ouro, assim como nem todo projeto novo é vencedor. Chico Buarque é quem tem razão.  

domingo, 12 de agosto de 2012

Dia dos pais

Coisa boa é acordar de manhã, ir até o berço no quarto ao lado e dar de cara com um baita sorriso, o mais sedutor e cativante que eu já vi. Daniel é meu melhor presente, sempre foi – e deixa o clichê cumprir seu papel. Experiência bacana essa de ser pai no dia dos pais. Que seja o primeiro de muitos. 


Essa eu fiz em fevereiro. Mas me peguei cantarolando desde cedo:

Come e dorme

Baba
Desaba 
Balbucia
Toma banho na bacia
Faz xixi e faz cocô.
Mama 
Reclama
Se agita
Soluça, regorgita
Arrota e solta pum.

Gosta de botar a mão na boca
Gosta de ir no colo da vovó (do vovô)
Dá risada à beça
Balança a cabeça
Queria era morder esse bumbum.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Concerto na Sala São Paulo exibe peça inédita de Paulo Bellinati

Quem for à Sala São Paulo entre hoje e sábado (qui. a sex. 21h; sáb. 16h30), vai ter a chance de conferir a estreia mundial de uma belíssima peça de Paulo Bellinati, executada pelo Brasil Guitar Duo (João Luiz e Douglas Lora) com regência de Giancarlo Guerrero. Estreia mundial de uma peça sinfônica, aqui em São Paulo, não é coisa que acontece todo dia. Menos ainda uma peça para violões e orquestra, composta por Paulo Bellinati. Tive a oportunidade de assistir ao ensaio aberto e o que ouvi foi de arrebentar. O compositor paulistano, dos melhores violonistas do Brasil e, principalmente, dos mais prolíficos e sensíveis compositores para o instrumento, foi buscar na roça a inspiração para este inédito Concerto para Dois Violões e Orquestra. São três movimentos, que desde os títulos evocam a música do interior, sua linguagem e sua cultura: Toada, Moda de Viola e Ponteado. Quem conhece um pouquinho de música caipira vai notar a genialidade do arranjo, com dois violões que dialogam entre si numa estrutura que faz lembrar o canto terçado das duplas e, ao mesmo tempo, que duelam e se sucedem em frases-mosaico, como as brincadeiras de improviso do cururu e do desafio caipira. A conversa entre os violões e a orquestra segue o mesmo bailado: primeiro eles, impondo o tema, depois ela, glosando o mote da dupla de maneira intensa e vibrante.

João Luiz e Douglas Lora, do Brasil Guitar Duo, 
se apresentam com a Osesp e interpretam peça
inédita de Paulo Bellinati
. Apenas até este sábado

A peça não é caipira. Muito menos sertaneja. É, antes de tudo, brasileira. Brasileira com sotaque, é verdade, daquela que convida a prosear demorado, com mesa posta de broa de milho, café de coador, romeu e julieta (com queijo da Canastra e goiabada cascão). Se puxar pela memória afetiva (provavelmente a única memória que existe), dá para encontrar ali alguma coisa de Elpídio dos Santos, e talvez um resquício de Francisco Mário, principalmente na primeira parte. Mas, o que de fato se percebe na obra, é Paulo Bellinati de sobra. Já faz um bom tempo, Bellinati coloca viola de dez cordas em seus trabalhos. Da mesma forma que a música do conjunto Pau Brasil, do qual participa, é sempre repleta de referências desse universo rústico, regional, de raiz.

O compositor e violonista Paulo Bellinati é o autor
de Concerto para Dois Violões e Orquestra. A peça  
já nasce como um marco na música brasileira

Conheci Bellinati numa dessas incursões pelo mundo da viola. Faz tempo, já, coisa de oito anos. Ele era um dos jurados no 2º Prêmio Syngenta de Música Instrumental de Viola, que girou o país para prestigiar as composições inscritas por violeiros de tudo que é Estado, de tudo que é ritmo, do pagode paulista ao siriri cuiabano, do armorial de Pernambuco ao fandango do Paraná. Eu estive na maioria das eliminatórias, como jornalista, documentando aquele concurso inédito, entusiasta que era e ainda sou do mais brasileiro dos instrumentos (embora a viola tenha surgido em Portugal, é fato que ela se naturalizou por aqui já no século XVI). Se eu já o admirava pela gravação que fizera com Mônica Salmaso dos indispensáveis Afro-sambas de Baden e Vinícius, e também pelo resgate da obra de Garoto e pelo multifacetado CD Lira Brasileira, de composições próprias, criei por ele a maior simpatia após meia dúzia de pequenas viagens, nas quais tomávamos o mesmo avião, nos hospedávamos no mesmo hotel e partilhávamos as mesmas refeições. Aprendi com ele que a viola é instrumento riquíssimo, com a sonoridade cheia que lhe é característica, e que tem uma característica que, por mais que alguns músicos tentem, jamais se conseguirá tirar dela: o DNA de brasilidade rural, simples, campestre. Penso que Paulo Bellinati é um pouco parecido com a viola. Na sua obra, seja qual for o estilo que ele toque, a gente sempre percebe a poesia da música popular brasileira, mesmo que residual, prosaica e singela. Ouvi-lo traz a sensação reconfortante de lembrar de casa, onde quer que a gente esteja. Êta, trem bão! Tomara que esses rapazes do Brasil Guitar Duo, exímios violonistas de dreads no cabelo e sorriso cativante, gravem logo esse concerto. Pra gente poder ouvir no carro, baixar no iPad. O sertão, afinal, está em toda parte, até mesmo nas traquitanas do Steve Jobs, por que não?

terça-feira, 5 de junho de 2012

Para o seu governo

Ando escrevendo muito sobre trabalho, eu sei. Vai ver que é porque tenho trabalhado muito. Ou porque tenho estado bastante satisfeito com nossas edições mais recentes. Ou todas as anteriores. A boa notícia é que entrei de férias e farei o possível para virar o disco (como a gente dizia no tempo dos bolachões). Mas enquanto isso não acontece, faço questão de compartilhar uma das edições de Época SÃO PAULO que mais me deixou satisfeito, e que está nas bancas nesta semana.


Antes de qualquer coisa, devo contar que há um esboço de metalinguagem camuflado nessa chamada de capa: trata-se da edição número 50 da revista (a quinquagésima de que participei), o que dá uma dinâmica algo brincalhona aos algarismos garrafais ali presentes. Para marcar a data e, ao mesmo tempo, dar a largada na nossa cobertura eleitoral da maneira que buscamos fazer em todas as matérias – embalando as reportagens numa pegada editorial que procura ser sempre útil, instigante e envolvente – perfilamos todos os 13 pré-candidatos anunciados até o momento e recorremos a paulistanos de diferentes áreas, idades e profissões para reunir um dossiê com 50 sugestões para o próximo mandatário. Gente como o arquiteto Ruy Ohtake, a urbanista Raquel Rolnik, os jornalistas Eugênio Bucci e Juca Kfouri, os escritores Walcyr Carrasco e Ignácio de Loyola Brandão, as ongueiras Viviane Senna e Maria Alice Setúbal, o apresentador Serginho Groisman, o padre Julio Lancelotti, os empresários Pedro Herz e Facundo Guerra, o chef Rodrigo Oliveira e muitos outros paulistanos comprometidos, como nós, com o desenvolvimento e o sucesso dessa cidade, apresentaram suas propostas à equipe, liderada pelo editor Daniel Salles e pela repórter Fernanda Nascimento.

Um dos desenhos de Marcelo Cipis que ilustram a reportagem 

Apareceu de tudo. Enterrar os fios elétricos, transformar o minhocão em parque, criar um bulevar na Rua Augusta, instalar pedágio urbano nas vias de tráfego pesado, equipar os pátios das escolas públicas com sistema de som para tocar música clássica e MPB, criar salas para consumo seguro de crack, transformar a Virada Cultural num evento semanal e itinerante (cada vez num distrito), mudar o sambódromo de lugar para ampliar o Anhembi, criar parques lineares nas margens de todos os rios e córregos, e até converter os cemitérios em parques, transferindo os túmulos para outros locais. O pai de cada ideia? Não conto. Também não revelo as outras 40 que apareceram. Estão todas na revista – e também na versão para iPad, que pode ser baixada gratuitamente clicando aqui.

Na última sexta-feira, um dia antes de a revista chegar às bancas, almocei com um dos colaboradores da pauta, o Eugênio Bucci, e tive a oportunidade de mostrar a ele, em primeira mão, um boneco da matéria. Ele demonstrou grande entusiasmo, dizendo não se lembrar de ter visto uma matéria desse tipo antes e vaticinando boa repercussão. "Vocês montaram um verdadeiro plano de governo", ele disse. "Se um dos candidatos se comprometesse a adotá-lo, tenho certeza de que faria um excelente governo." Horas antes, eu notara uma recepção semelhante ao dar uma breve entrevista sobre o assunto para o programa CBN São Paulo, apresentado pela Fabíola Cidral na rádio CBN. Propostas como essa, na revista ou no rádio, costumam ter o maravilhoso condão de trazer os leitores e os ouvintes (eleitores de modo geral) para perto do debate, e convidá-los a também apresentar propostas, sugestões, ideias, pedidos. Seja por mais ciclovias ou por menos buracos nas calçadas. Por mais policiamento nas ruas ou menos cargos comissionados na administração municipal. A cidade é nossa. E cabe a nós a conduzirmos, muito mais do que sermos conduzidos (como bem conclama o lema gravado, em latim, no escudo do município). Isso depois de descobrir qual é o candidato que adora música eletrônica, qual já foi centro-avante do Botafogo e qual não dorme sem jogar uma partidinha de paciência no iPhone. Tá tudo lá. Boa leitura.

sábado, 5 de maio de 2012

Parece que foi... há quatro anos

Maio de 2008. Uma nova revista chega às bancas de São Paulo.


Eu tinha 28 anos na ocasião. Havia entrado na Editora Globo em janeiro para me somar à equipe que, desde dezembro do ano anterior, se aventurava a criar uma revista de cidades diferente das outras. Ela seria mensal, como as americanas Los Angeles e Chicago. Ela teria lombada quadrada, como as melhores mensais. Ela teria matérias grandes, algumas com mais de 20 páginas. Ela adotaria um projeto gráfico ousado, com excelente papel, fotos muito bem cuidadas, abres impactantes. E, não bastasse tudo isso, ela seria distribuída gratuitamente com a Época, uma vez por mês.

Entre janeiro e abril, levamos quase quatro meses para montar a primeira edição (a capa está reproduzida acima). Época SÃO PAULO surgiu parruda, com uma reportagem especial sobre o que há de mais apaixonante nessa supercidade, modelo que voltaríamos a adotar nos anos seguintes, sempre nas edições de maio. No texto que apresenta a primeira edição aos leitores, nosso então diretor editorial Paulo Nogueira se arrisca a resumir o dinamismo da metrópole e a interpretar o desafio que nossa equipe assumia a cada parágrafo escrito, a cada caderno diagramado:
"São Paulo é uma cidade cosmopolita. Sofisticada. Inovadora. Inquieta. Excitante. Empreendedora. Exigente. Orgulhosa. Ousada. Petulante. Poética. Intimidadora no primeiro olhar das pessoas de fora, mas acolhedora no segundo. Podia ser mais bonita, é verdade, mas há algo de majestoso até na estética desajeitada de São Paulo. Imagine que você tivesse que fazer uma revista que expressasse tamanha quantidade de atributos. Talvez você sentisse o mesmo frio no estômago que se apossou, nos primeiros momentos, dos jornalistas que você vê, agora, felizes."
Sorríamos na foto que acompanhava suas palavras.


Quatro anos depois, agora como editor, percebo que, entre todas as pessoas que aparecem na foto acima, sou o único que continua na Época SÃO PAULO. Os 20 colegas que dividiram comigo as agruras e o entusiasmo de tirar o primeiro exemplar do forno, quatro anos atrás, alçaram diferentes voos e estão por aí, deixando suas marcas em outras publicações. Algumas bem perto da gente, é verdade. O Maron, esse cara de preto no centro da foto, foi o primeiro diretor de redação da EpocaSP e hoje é diretor de inovação digital da Editora Globo. A Carla, de vestido azul à esquerda dele, virou redatora-chefe da Marie Claire. A Nathalia, o segundo rosto da esquerda para a direita, agora é repórter da Época. Os outros estão por aí. Espalhados. Como São Paulo. 

A coisa boa de permanecer, como um "highlander" anacrônico, é poder conferir, de dentro, a magia da renovação, da reinvenção, da inovação, tudo misturado, que cada novo ciclo exige. Uma revista, para funcionar, tem de ser como um rio: ele é sempre o mesmo, mas as águas são sempre outras. Novidade, é esse o ingrediente de todo jornalismo. Notícia e novidade têm o mesmo radical etimológico, e é natural que seja assim. Quando deixarmos de nos renovar, de oferecer notícias e novidades, desconfie. Reclame. Troque de revista. E faça o mesmo com São Paulo. Quando a cidade deixar de surpreender, de criar notícias e novidades, caia fora. Por enquanto, não corremos esse risco. 



Nossa edição de aniversário, publicada hoje, é indício de que novidades não faltam. Tem gente nova na equipe, seções novas ao longo das páginas, logo novo, tipologia nova, design novo do começo ao fim, e 101 novas razões para amar São Paulo. Porque aqui é assim: até o amor a gente renova, inova, reinventa. Não por acaso, o tema principal da nossa reportagem de capa é inovação. As novas ideias paulistanas. Algumas delas, para ser exato, porque nenhuma revista conseguiria encadernar o vasto arsenal de ideias que surgem a cada dia. Entre tantas novidades, tem uma coisa nessa edição que é velha, lugar-comum dos mais descarados, que continua igualzinha há quatro anos - e que a gente faz questão que continue assim: nosso empenho em fazer a melhor e mais bonita revista de cidades do Brasil. Boa leitura! Que você se divirta lendo como nós nos divertimos fazendo. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

O MMC dos poetas


Vale tudo no octógono da palavra, onde os golpes têm métrica e vence o atleta com a língua mais afiada


Reportagem publicada na edição 47 (março) de Época SÃO PAULO. As fotos são de autoria de Manu Costa e estão no blog do ZAP! (zapslam.blogspot.com)

É dia de ZAP!, ou Zona Autônoma da Palavra, o primeiro (e único) campeonato de poesia falada de São Paulo. Criada nos Estados Unidos, onde é conhecida como Slam, a modalidade consiste em recitar versos e submetê-los à avaliação de um júri, formado na hora, com voluntários da plateia. Cada competidor precisa ter pelo menos três poemas próprios, de modo a disputar as três etapas da prova, e a leitura de cada um não pode ultrapassar três minutos. As disputas acontecem uma vez por mês. A cada luta, o melhor poeta é classificado para a grande final, em dezembro, valendo o título de campeão do ano. A abertura da temporada 2012 aconteceu no Sesc Santo Amaro, em 25 de janeiro.



Uma garota de patins circula de tranças e viseira. Maquiada e sorridente, a jovem com vocação de cheerleader carrega uma prancheta. Seu codinome é Naga Yuka, e ela não está aqui para exibir a contagem dos rounds nos intervalos, mas para colher inscrições. Em minutos, há 11 inscritos. Eles têm menos músculos que os lutadores do Ultimate Fighting Championship (UFC), o maior campeonato de combates físicos da atualidade. Mas suas línguas são bem afiadas. Poetas bissextos, compositores de chuveiro e escritores em formação entram na peneira. Seguindo a ordem do sorteio, sobem à arena para declinar seus versos. Na primeira etapa, a última desafiante é Ana Roxo. Fã do argentino Jorge Luis Borges e da paulista Hilda Hilst, a atriz de 35 anos é um furacão no palco:


Eu como chocolate escondida (de mim) eu como você escondida dos outros eu não te como mais eu acredito em Deus eu já vi o capeta (ele piscou pra mim)

O octógono é um tablado retangular com um microfone no meio. Não há cenário nem figurino.“O foco deve estar no texto e na expressão do autor”, diz Roberta Estrela D’Alva, ao mesmo tempo juíza e apresentadora. “Chegamos a receber 20 inscritos. Aparece de tudo: estudantes, senhoras, MCs, gente que aborda temas sociais ou fala de amor.”Ao fim de cada poema, cinco jurados erguem seus cartazes com as notas. Um deles dá nota 10 todas as vezes. “Toda criação é 10”, diz, pouco criativo. A mais alta e a mais baixa não são computadas na soma competitiva.
Enquanto a lousa que serve de placar volta a tinir, alva e limpa, cinco nomes retornam ao sorteio. Cada um a seu tempo, recitam o segundo poema. Na fala afiada desses atletas, sobra porrada para a especulação imobiliária, socos para a PM que atuou em Pinheirinho, pontapés para um mercado cultural que, dizem, exclui a periferia. Ana Roxo volta mais calma para a segunda etapa, falando a um amante que ainda não conheceu. Outro participante, craque nas rimas, Calixto recita um rap. Surge Emerson Alcalde, um ator de 29 anos com dreads e cavanhaque, para falar de flores:


Tua semente foi plantada em terra preta por mãos sofridas
E não no algodão artificial do cientista
(...)
Você tem preço só pro vendedor de flor
Pros amantes, tem valor.

O duelo segue. Organizadora de um sarau na Cidade Ademar, Lídis sobe com um livrinho e lê seus versos, já publicados. Quem fecha a segunda bateria é Serginho Poeta, de 41 anos:


Meia-noite no gueto
Tem um preto parado na esquina
– Será ladrão ou vendedor de cocaína?
(...)
Sou poeta de rua
Agora, espero que me deixem
Continuar olhando o céu
Pois negro já nasce poeta
Mas também já nasceu réu.

Emerson Alcalde, Ana Roxo e Serginho Poeta passam à última fase. O clima esquenta. Ana quebra o gelo e
avança com um cruzado de direita:
No final dos meus textos, você sempre vai embora
Mas aí, no texto, eu minto
Dizendo que te dei mais um beijo
E disse tchau com muita dignidade.

Alcalde devolve:

A multidão parou pra perguntar o que ela tinha
Oque ela tinha?
(...)
A senhora morreu deitada no chão
Abraçada com a única coisa que tinha:
suas latinhas.

Veteranos no ZAP, Ana e Alcalde ficam em segundo e terceiro. Serginho sagra-se campeão, logo na luta de estreia. Sorte? Melhor: poesia bem feita:

Amanhã é dia de visita
Meu filho, a criança mais bonita
Virá me conhecer
Vou rezar até o amanhecer
Para que a vida também não o torne bandido
Para que seja, talvez, como minha mãe sonhou
Um profissional bem-sucedido.

Coordenador da biblioteca de uma fundação no Jardim São Luís, Serginho começou a recitar há dez anos, no Samba da Vela. Para o ZAP, levou seus versos mais engajados. “A temática da exclusão é, hoje, o que as pessoas mais gostam de ouvir”, diz, bom de briga.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Entra e sai de artilheiros


As melhores equipes estão sempre em mutação. É preciso substituir quadros, adquirir novos talentos, promover a alternância de poder. É preciso, também, reconhecer quando a casa ficou pequena demais para quem merece alçar voos mais altos – e, nesses casos, há que se resignar com a perda inevitável, um pouco como os pais que veem o ninho vazio após a partida dos filhos. A regra é clara. Vale para o futebol, vale para o mundo da política, e vale também para o jornalismo. As redações, diferentemente dos diamantes, não são eternas. Nem as mais preciosas delas.


Nesse fim de tarde de sexta-feira, véspera de Carnaval no Brasil – e também no Jaguaré, onde fica a redação da Época SÃO PAULO – misturo saudade e carinho para escrever esse post (sobre times que mudam, sobre diamantes que se vão). A partir da próxima quinta-feira, dois repórteres-artilheiros terão alçado seus voos. Deixarão vazias as cadeiras à minha esquerda e à minha frente. Os dois me acompanham desde minha estreia como editor, em setembro de 2011, e me ajudaram a construir o pouco que sei sobre gestão de pessoas e coordenação de equipe. Antes disso, Eduardo já era repórter da revista, meu colega de apuração e escrita. Rafael veio de quatro anos na Época NEGÓCIOS para a vaga que eu ocupava antes de assumir a edição. Nosso time, enxuto e inquieto, se completava com Nathalia, integrante mais antiga da revista, aonde chegou como estagiária, antes de sair o primeiro número. Desde então, todos crescemos. Aprendemos. Criamos. Fizemos o que é natural a todas as pessoas: não terminadas, elas afinam e desafinam, como nos contou Guimarães Rosa.
Vizinha de mesa por tantos anos, Nathalia foi a primeira grande baixa, em outubro passado. Voou em direção à editoria de comportamento da Época, cheia de planos de fazer hard news e conhecer, por dentro, o ritmo de uma revista semanal. Nesta semana, saíram os outros dois. Eduardo recebeu um convite generoso do Meio&Mensagem. Rafael, que recentemente fora promovido a editor assistente, vai cobrir tecnologia na Época. Minha satisfação é saber que todos tiveram seus trabalhos valorizados e reconhecidos. Selecionados, como foram, num mercado tão disputado como é o nosso, partem com a altivez e a paz de espírito de terem combatido um bom combate, com ânimo renovado para combater muitos outros. O sabor da vitória também é meu. Se nossa revista serviu de vitrine, reivindico solenemente um quinhão desse bom resultado amealhado (um quinhão miúdo, voilá, uma “caixinha” de 10%...).
O baque virá aos poucos. Na próxima quinta-feira, vou estranhar as ausências. A ausência do Edu será a ausência de suas risadas, de seu pescoço esticado para conseguir me olhar de trás de seu PC, a ausência de sua aflição às vésperas do fechamento, com duas ou três matérias para entregar. A ausência do Rafa será a ausência de sua agitação, de seu tom de voz elevado (com um persistente sotaque carioca), das sugestões de pauta que ele me apresentava, incansável, duas ou três vezes por dia, da sua saudável disposição para aprender coisas novas o tempo todo.
Dizem que é um ciclo que se fecha. Eu digo que os ciclos não fecham. Eles se sucedem, e se tangenciam, e se entrelaçam, como argolas de uma corrente – ou como um espiral. Veio a Denise, em dezembro, para a vaga da Nathalia, com o entusiasmo de quem já namorava a Época SÃO PAULO, à distância, há mais de um ano e meio. É dela metade da matéria de capa da nossa próxima edição, que sai no dia 25. Já nos próximos dias, aporta por aqui a Fernanda, sangue novo na Editora Globo, ex-Veja online. E logo completaremos o time, com novos atletas, aquecidos e preparados para a próxima temporada. Estarei por aqui quando essa nova leva também alçar voo, deixando carinho e saudade?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Tem Perua na Avenida


Sensação do programa Mulheres ricas, da Band, Val Marchiori se prepara para estrear no Carnaval como destaque da Vila Maria

*publicado na edição de fevereiro da Revista Época SÃO PAULO 




No primeiro dia de ensaio, ela chegou de helicóptero. Desceu no campo de futebol vizinho à quadra – com todo cuidado para não sujar os saltos – e brindou com champanhe Veuve Clicquot ao ser apresentada como embaixatriz da escola de samba. “Hello!!! Amei chegar à Vila Maria em alto estilo!!!”, tuitou, teclando exclamação como quem toca um tamborim. Val Marchiori, a mais deslumbrada integrante do programa Mulheres ricas, da Band, nasceu para ser princesa. Mas a monarquia anda em baixa no Carnaval – e Val jamais está em baixa (hello!). Embalada pelo repique dos pandeiros, a “embaixatriz” irrompeu gloriosa pelo barracão da Zona Norte e até ensaiou uma dancinha. Àquela altura, meados de 2011, seus passos estavam longe de garantir nota 10 em evolução. Agora, a menos de um mês do desfile, a emergente loira de 37 anos promete turbinar o rebolado em três aulas de dança semanais para não passar vergonha em sua estreia na avenida. “Ela chegará ao Sambódromo dançando melhor do que a Luiza Brunet”, afirma a professora Paulinha Marjori. “Minha tarefa não é transformá-la numa mulata, mas trabalhar a expressão e o gestual para que fique bem diante das câmeras.” Val será destaque num dos carros alegóricos.

O convite para desfilar partiu da assessoria de imprensa da escola. A agremiação entendeu que ganharia espaço na mídia com o auxílio de uma pessoa glamourosa e bem relacionada (hello!) como Val. A Vila Maria mantém uma série de ações sociais voltadas à comunidade, como clínicas odontológicas e cursos profissionalizantes, e a socialite ajudaria a divulgá-las. Ela tem 14 mil seguidores no Twitter. Também contou pontos a favor da loira seu passado humilde. Val nasceu Valdirene, filha de agricultores, num sítio no Paraná. Muito antes de dirigir um Porsche Cayenne e morar num apartamento de 850 metros quadrados nos Jardins (que ela diz valer R$ 14 milhões), foi revendedora da Avon e participou de concursos regionais de beleza. Hoje, é dona de uma transportadora. Ela ainda recebe uma pensão alimentícia para cuidar dos gêmeos Victor e Eike, de 6 anos, filhos de um relacionamento extraconjugal de Evaldo Ulinski,dono do frigorífico Big Frango (ele é casado há 40 anos com Nylcéia Ulinski). Enfim, uma mulher capaz de transmitir
à nova geração de passistas uma perspectiva de futuro melhor. 


Não por acaso, seu carro, o terceiro do corso, simboliza “a mão do futuro”, conceito criado pelo carnavalesco Chico Spinosa. “A alegoria representa a modernidade, e Val é apenas um elemento ali”, afirma ele. O tema da Vila Maria neste ano é a mão como instrumento de criação. Segundo o carnavalesco, haverá um painel de led, de 4 metros por 6, logo atrás da socialite, no qual tudo o que ela tuitar será exibido em tempo real. Além de conectada, Val atravessará o Sambódromo do jeito que mais gosta: vestindo dourado e bebendo champanhe (hello!). O carro trará ainda outras 26 mulheres e uma performance com 18 dançarinos. A socialite será o destaque, mas Spinosa espera que ela não ofusque o restante da alegoria. “Sou dos que ainda acreditam que a força do desfile está na comunidade.” Mais do que isso, o carnavalesco não revela. Nem Val, que, até o fechamento desta edição, não se dispôs a interromper sua atarefada rotina para atender à reportagem. Hello!