quinta-feira, 14 de junho de 2012

Concerto na Sala São Paulo exibe peça inédita de Paulo Bellinati

Quem for à Sala São Paulo entre hoje e sábado (qui. a sex. 21h; sáb. 16h30), vai ter a chance de conferir a estreia mundial de uma belíssima peça de Paulo Bellinati, executada pelo Brasil Guitar Duo (João Luiz e Douglas Lora) com regência de Giancarlo Guerrero. Estreia mundial de uma peça sinfônica, aqui em São Paulo, não é coisa que acontece todo dia. Menos ainda uma peça para violões e orquestra, composta por Paulo Bellinati. Tive a oportunidade de assistir ao ensaio aberto e o que ouvi foi de arrebentar. O compositor paulistano, dos melhores violonistas do Brasil e, principalmente, dos mais prolíficos e sensíveis compositores para o instrumento, foi buscar na roça a inspiração para este inédito Concerto para Dois Violões e Orquestra. São três movimentos, que desde os títulos evocam a música do interior, sua linguagem e sua cultura: Toada, Moda de Viola e Ponteado. Quem conhece um pouquinho de música caipira vai notar a genialidade do arranjo, com dois violões que dialogam entre si numa estrutura que faz lembrar o canto terçado das duplas e, ao mesmo tempo, que duelam e se sucedem em frases-mosaico, como as brincadeiras de improviso do cururu e do desafio caipira. A conversa entre os violões e a orquestra segue o mesmo bailado: primeiro eles, impondo o tema, depois ela, glosando o mote da dupla de maneira intensa e vibrante.

João Luiz e Douglas Lora, do Brasil Guitar Duo, 
se apresentam com a Osesp e interpretam peça
inédita de Paulo Bellinati
. Apenas até este sábado

A peça não é caipira. Muito menos sertaneja. É, antes de tudo, brasileira. Brasileira com sotaque, é verdade, daquela que convida a prosear demorado, com mesa posta de broa de milho, café de coador, romeu e julieta (com queijo da Canastra e goiabada cascão). Se puxar pela memória afetiva (provavelmente a única memória que existe), dá para encontrar ali alguma coisa de Elpídio dos Santos, e talvez um resquício de Francisco Mário, principalmente na primeira parte. Mas, o que de fato se percebe na obra, é Paulo Bellinati de sobra. Já faz um bom tempo, Bellinati coloca viola de dez cordas em seus trabalhos. Da mesma forma que a música do conjunto Pau Brasil, do qual participa, é sempre repleta de referências desse universo rústico, regional, de raiz.

O compositor e violonista Paulo Bellinati é o autor
de Concerto para Dois Violões e Orquestra. A peça  
já nasce como um marco na música brasileira

Conheci Bellinati numa dessas incursões pelo mundo da viola. Faz tempo, já, coisa de oito anos. Ele era um dos jurados no 2º Prêmio Syngenta de Música Instrumental de Viola, que girou o país para prestigiar as composições inscritas por violeiros de tudo que é Estado, de tudo que é ritmo, do pagode paulista ao siriri cuiabano, do armorial de Pernambuco ao fandango do Paraná. Eu estive na maioria das eliminatórias, como jornalista, documentando aquele concurso inédito, entusiasta que era e ainda sou do mais brasileiro dos instrumentos (embora a viola tenha surgido em Portugal, é fato que ela se naturalizou por aqui já no século XVI). Se eu já o admirava pela gravação que fizera com Mônica Salmaso dos indispensáveis Afro-sambas de Baden e Vinícius, e também pelo resgate da obra de Garoto e pelo multifacetado CD Lira Brasileira, de composições próprias, criei por ele a maior simpatia após meia dúzia de pequenas viagens, nas quais tomávamos o mesmo avião, nos hospedávamos no mesmo hotel e partilhávamos as mesmas refeições. Aprendi com ele que a viola é instrumento riquíssimo, com a sonoridade cheia que lhe é característica, e que tem uma característica que, por mais que alguns músicos tentem, jamais se conseguirá tirar dela: o DNA de brasilidade rural, simples, campestre. Penso que Paulo Bellinati é um pouco parecido com a viola. Na sua obra, seja qual for o estilo que ele toque, a gente sempre percebe a poesia da música popular brasileira, mesmo que residual, prosaica e singela. Ouvi-lo traz a sensação reconfortante de lembrar de casa, onde quer que a gente esteja. Êta, trem bão! Tomara que esses rapazes do Brasil Guitar Duo, exímios violonistas de dreads no cabelo e sorriso cativante, gravem logo esse concerto. Pra gente poder ouvir no carro, baixar no iPad. O sertão, afinal, está em toda parte, até mesmo nas traquitanas do Steve Jobs, por que não?

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