sábado, 12 de março de 2011

O CD da Rita

Fiquei feliz ao saber que a Rita Gullo havia lançado seu primeiro disco. Lá se vão uns três anos, talvez mais, desde quando a ouvi cantar pela primeira vez, em um desses bares da vida (ou da Vila). Voz afinada, timbre macio, habilidade em transitar suavemente entre os graves menos visitados da pauta - e, acima de tudo, um repertório montado para nos lembrar, hoje e sempre, o tempo em que nossas composições mereciam tanta atenção quanto as interpretações e os arranjos.


Rita estudou canto lírico. E, para nossa sorte, optou por transferir seu aprendizado à música popular. O resultado é um cancioneiro repleto de árias assinadas por gente da estirpe de Gilberto Gil, Dori Caymmi, Tavinho Moura, Milton Nascimento, Lupicínio e Caetano Veloso. Tem uma do Lenine ali no meio, para provar que também existe música de qualidade pós anos 1990, e versões para belas melodias latinas, como "Sueño con Serpientes", canção de Silvio Rodriguez também conhecida na voz da Mercedes Sosa, e "Era de Amar", do uruguaio Jorge Drexler, aquele da trilha de "Diários de Motocicleta".

Tenho lido por aí sobre a participação generosa e especialíssima de Chico Buarque na faixa "A Mulher de Cada Porto". Conversa. O trunfo de Rita não é ter Chico jogando no seu time, dividindo consigo os vocais, em dueto, de uma música que é dele. Outras cantoras receberam a mesma ajudinha em seus discos de estreia, e Marina de La Riva é apenas um exemplo. O trunfo está, mais do que isso, no belíssimo naipe de instrumentistas reunidos por ela - gente como Nailor Proveta, Toninho Ferragutti, Adriano Busko, Teco Cardoso e Fabio Tagliaferri - e na sensibilidade para revirar gavetas até encontrar partituras que clamavam havia tempos para serem gravadas.

Na minha (modesta e despreparada) opinião, a grande faixa do disco é "O Cantador", não somente pela beleza da execução, mas também pela grandeza da composição ("De que servem meu canto e eu / Se em meu peito há um amor que não morreu / Ah, se eu pudesse ao menos chorar... / Cantador, só sei cantar"). Não me atrevo a listar quantas pessoas já a gravaram, e nem sei se foram muitas. Pessoalmente, eu conhecia apenas a gravação da Elis, de meados dos anos 1960, que tenho num bolachão antigo e riscado, uma compilação dos maiores sucessos da "Era dos festivais". Os equívocos, notados após duas atenciosas audições por meus ouvidos canhestros, são três: uma nota meio fora do prumo em "Sentinela", uma canção do Everything But The Girl que parece não se encaixar no repertório, e, a única com alguma relevância real para a carreira de Rita, a ausência de composições inéditas ou boas criações feitas por artistas contemporâneos.

O que eu espero, como o fã que já me tornei, é que Rita não demore demais para começar a trabalhar no segundo disco. E que ele venha temperado com a ousadia de quem arrisca apostar em novidades, seja investindo em composições próprias (não sei se Rita compõe) ou arregimentando meia dúzia de jovens compositores que possam lhe nutrir com coisas inéditas, novas, que recendam à brisa do futuro. Assim, ela evitará repetir o mesmo tropeço de Mônica Salmaso, uma exímia cantora com estofo lírico e ótimos músicos (muitos deles também tocam com Rita), que não conseguiu evitar a pecha de "antiga" por jamais ousar uma composição recente, uma faixa que não lhe garantisse a segurança inequívoca de quem se apoia em autores clássicos. "Cantador não escolhe o seu cantar", diz a letra de Nelson Motta para a melodia de Edu Lobo em "O Cantador". Mesmo assim, estarei à espreita, ansioso para ouvir em primeira mão tudo o que essa jovem promissora, de vasto sorriso, nos oferecer a partir de agora, nesse latifúndio de notas, nesse caminho sem volta. Parabéns, Rita!
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FUI MAL: Depois de publicar o texto acima, fui informado de que uma das faixas do disco é, sim, inedita. Trata-se da canção Espelho, de Eduardo Pitta e Xande Mello: http://soundcloud.com/rita-gullo/10-espelho

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