sexta-feira, 10 de julho de 2009

O tal protagonismo social

Esperei o Entre Aspas para ouvir o que tinham a dizer sobre a Cracolândia o secretário de coordenação das subprefeituras, Andrea Matarazzo, e o urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis. O resultado era previsível: ninguém sabe a receita. Confesso ter uma firme predileção por situações indefinidas, vidas em processo, gente em construção. No final, somam-se temperos, reserva-se, reduz-se, acrescenta-se... e a refeição é sempre servida, para deleite ou aflição dos comensais.

Pensar sobre os problemas da cidade (ou do país) e imaginar abordagens possíveis funciona, para mim, como uma espécie de desafio de lógica, um reles jogo de estratégia que, ao fim e ao cabo, não servirá mesmo para nada. Mata o tempo. E instiga. Cansa um pouco, é verdade, por isso largo o osso com mais assiduidade do que o abocanho. E só me meto em outra aporrinhação semelhante dali a um mês. Acho justo.


No debate sobre a Cracolândia, um único ponto me chamou atenção por tensionar a linha entre os dois convidados. Matarazzo expunha sua indignação com o fato de, hoje, não se poder internar ninguém à força, nem em hospitais psiquiátricos nem em instituições voltadas para a reabilitação de dependentes químicos. Segundo ele, melhor seria se o poder público pudesse arrastar toda aquela gente - zumbis que claudicam com o peso do mundo pelos ermos da "Baixa Rio Branco" - e trancafiá-los até a santa medicina expedir o alvará de soltura. Matariam-se dois coelhos: o bairro estaria salvo, e salvas também estariam as pobres almas raptadas pelo crack.

O secretário, no entanto, quase teve um piripaque quando Nakano, irritantemente calmo, tentou explicar que as coisas não são bem assim, que não se pode tratar o bairro como uma "tábula rasa", como se fosse um deserto sem dono onde não ninguém mora, ninguém trabalha, ninguém vive, ninguém trafega. Não se pode implodir, acionando-se um botão, as habitações de baixa renda que lhe são prevalentes para converter toda a área em um grande condomínio residencial ou em torres corporativas de quarenta andares capazes de resgatar o centro, como ocorre nos melhores sonhos de Matarazzo, para o seio da elite paulistana. Também não se pode, penso eu, espantar os nóias a bala, liquidá-los como fariam os Esquadrões da Morte em tempos não muito remotos, ou varrer o problema para debaixo do tapete (neste caso, para a rua vizinha, o bairro vizinho, o medo vizinho).

Por que continua sendo tão difícil entender que a cidadania não é título de nobreza nem artigo supérfluo adquirido em três parcelas no cartão? Por que é tão difícil entender que o jovem do quarto-e-sala na Timbiras, a viúva locatária do conjugado na Aurora, o balconista da lojinha de eletrônicos da Santa Ifigênia e a estagiária de advocacia do escritório da Rio Branco são cidadãos com direitos a serem preservados (e defendidos!) da mesma forma que a Mônica Waldvogel, o Kazuo Nakano, o Andrea Matarazzo e, talvez para a surpresa deste, os próprios dependentes químicos que tanto o infernizam? A vida já foi mais fácil.

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