sábado, 11 de julho de 2009

Dia de ver o Rei

Pronto. Já sei qual vai ser meu programinha de sábado à noite: assistir (pela TV) ao show do Roberto Carlos no Maracanã. Fui convencido. Primeiro, pelo Jornal Nacional de ontem, no qual o rei tropeçou, ao vivo, na letra de uma das músicas previstas no setlist de hoje (e que, portanto, deveria estar na ponta da língua). Será que ele vai de playback? Depois pelo semblante embasbacado de William Bonner ao ouvir que o artista, 50 anos depois, ainda sente frio na barriga ao subir num palco. Finalmente, um Globo Repórter inteiro dedicado ao mito, no qual se apurou, por exemplo, o empurrãozinho dado por Tim Maia para que Roberto passasse a flertar com o rock n' roll displicente de Elvis Presley e seguisse no caminho que o levaria à Jovem Guarda. "Foi o Tim que me ensinou a fazer o chacundum no violão, porque eu tocava, mas fazia a batida errada", confessou o galã sexagenário, não exatamente com essas palavras, jogando um sorrisinho de festa de arromba para o broto que o entrevistava. Uma brasa.


É preciso fazer o check in e embarcar na onda do Rei como quem ingressa em um daqueles brinquedos geniais do Universal Studios. Não há outro caminho quando o artista é sua própria obra. Acontece com Madonna, aconteceu com Michael Jackson. Perpassa o universo dos grandes artistas, pop ou não, que ousaram se converter em instalações multimídias. De Ozzy Osbourne a Amy Winehouse, de Cauby Peixoto a Lanny Gordon, o que sobe ao palco não é somente um músico ou uma banda, mas uma constelação de conflitos, genialidades e significados. Resumindo, a coisa funciona mais ou menos assim: pare com essa mania de torcer o nariz ao jogo de cena do showbizz e permita-se curtir, desavergonhadamente, os exageros, os TOCs, a cafonice, a lenda. Ninguém completa 50 anos de carreira com tamanha opulência à toa - e a despeito dos erros do seu português ruim...

É provável que eu não consiga assistir ao show até o fim. Aquela insólita posição de crooner de big band adotada por sua majestade, a luz azulada do palco, as rosas sem espinhos lançadas à platéia, os gritinhos das fãs, tudo isso reveste com um brilho excessivo o que poderia ser apenas um feliz compilado de ótimas canções. Tudo depende, também, da lista de canções. Vai bater uma nostalgia, eu sei, uma saudade do tempo das matinês, de quando o claudicante cantor de Cachoeiro do Itapemirim amava loucamente a namoradinha de um amigo e flertava com garotas papo-firme (que eram mesmo avançadas e só dirigiam em disparada). É pena que o Rei tenha envelhecido junto com seu público, e trocado pouco a pouco a irreverência de antes pelo bolero-canastrão que domina a maior parte de suas apresentações. Mesmo assim, e malgradas as opiniões pessoais aqui expostas (que geralmente não servem para muita coisa), estou decidido a xeretar a coisa e conferir o que virá.

Ouvi quando era menino as primeiras canções de Roberto Carlos. Por volta dos meus nove anos, lembro-me de ter feito uma viagem de carro com meu pai, à Bahia, e de me deparar com uma caixinha de fitas expropriada recentemente das coisas de meu avô, pai do meu pai, falecido uns cinco anos antes. Uma das fitas era preenchida por grandes sucessos do Rei. Curti à beça os versinhos ingênuos de Lady Laura. Demorei a decifrar a malícia de Cavalgada: "vou cavalgar por toda a noite / por uma estrada colorida / usar meus beijos como açoite / e minha mão mais atrevida / vou me agarrar aos seus cabelos / pra não cair do seu galope / vou atender aos meus apelos / antes que o dia nos sufoque." Quis sair correndo ao me deparar com o despropósito de Solamente una vez, um horror, e confesso não ter dado nenhuma pelota para os "detalhes tão pequenos de nós dois".

Mas havia uma canção ali, a única que eu já conhecia, que me arrebatou completamente. Não pelo apuro harmônico ou pela força da melodia, mas por falar de amizade, de compromisso, e da possibilidade de se amadurecer sem arrancar toda a ingenuidade do coração. De alguma forma, lançou elementos que me ajudaram a forjar meu caráter. Chama-se "Amigo", e foi composta em parceria com Erasmo Carlos. Eu já a conhecia, também graças ao meu pai, penso eu, que surpreendentemente se deixara flagrar cantando os primeiros versos. Até hoje não sei dizer por quê. Fã de Chico Buarque e Elis Regina, Tom Jobim e Vinícius de Morais, papai nunca foi chegado nas coisas do Roberto e jamais teve um disco dele, apenas aquela coletânea não prevista que em pouco tempo voltaria a desaparecer. De qualquer modo, para mim aquela música funcionava como um amálgama na parceria entre pai e filho (mesmo que eu ainda nem soubesse o significado da palavra amálgama).

Eu, que mais tarde descobriria "Sua estupidez" e "Como dois e dois" num disco obrigatório de Gal, que decoraria "Quero que vá tudo pro inferno" e "História de um homem mau" para tirar onda no colégio, que aprenderia a gritar a palavra maconha entre os versos do refrão de "É proibido fumar", que me emocionaria com a esperança singela transmitida em "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos", feita em homenagem a Caetano, aproveito para agradecer ao Rei por ter me presenteado, aos nove anos, com aquela canção. Ela ainda mora aqui por perto

Amigo

Você, meu amigo de fé, meu irmão camarada.
Amigo de tantos caminhos, de tantas jornadas.

Cabeça de homem, mas o coração de menino.
Aquele que está do meu lado em qualquer caminhada.

Me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro.
Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro.
O seu coração é uma casa de portas abertas.
Amigo, você é o mais certo nas horas incertas.

Às vezes, em certos momentos difíceis da vida,
Em que precisamos de alguém pra ajudar na saída,
A sua palavra de força, de fé e de carinho
Me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho.

Você, meu amigo de fé, meu irmão camarada.
Sorriso e abraço festivo na minha chegada.
Você, que me diz as verdades com frases abertas,
Amigo, você é o mais certo nas horas incertas.

Não preciso nem dizer
Tudo isso que eu lhe digo,

Mas é muito bom saber
Que você é meu amigo.

Não preciso nem dizer
Tudo isso que eu lhe digo,
Mas é muito bom saber
Que eu tenho um grande amigo.

4 comentários:

  1. Se eu te contar que até a oitava série chorava toda vez que ouvia essa música, você jura não me zuar? Olha que honra: sou seu primeiro comentário. Divirta-se por aqui, Camis. Beijo meu

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  2. Bom, como sua fã eu tinha que estar por aqui...
    Parabéns pelo blog, vai ser bom demais acompanhar seus relatos, sua escrita, seus pensamentos.
    Qto ao Roberto, já nasci ao embalo das suas músicas, fã incondicional que é até hj minha mãe. Aos 5 aninhos, vestida a la jovem guarda, qdo me pediam: imita o Roberto Carlinha, eu apontava o dedo em riste, piscava e dizia: é uma brasa mora! rs Pra quem é chamada de Dory (a desmemoriada do desenho Nemo) é incrível que eu tenha tão viva essa lembrança.
    Um grande beijo e como disse a Nathy divirta-se.

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  3. E cá, que legal, bem vindo ao mundo dos blogs! Eu não respondo email mas to sempre fuçando na internet ainda mais com esse namoro por chat a distancia (meu deus).. adorei saber sua ligação intima com robs, engraçado parece que ta acontecendo um fenomeno, que as pessoas passaram simultaneamente a ver poesia na figura do roberto e não se apaegar mais tanto e só a breguice que ele representa pra mim desde que sou criança (que não peguei a fase jovem guarda e to mais acostumada em cantar "jesus cristo" com ele).. e algo me diz que isso tem a ver oom a morte do micheal, sei lá, efeito dominó... o esquisito assustador virou um grande gênio, vai saber... eu acho mesmo que o mundo ta ficando louco... vamos se encontrar logo, muita saudades...

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  4. Que delícia receber vocês aqui. A porta está sempre aberta e não tem consumação mínima! Da próxima vez eu as receberei com outra trilha sonora. Assim a Nath não chora com "Amigo", a Carla não precisa vir com a roupa de Wanderléia e a Maíra, essa budista em formação, não se obriga a cantar "Jesus Cristo" com ninguém! Rsss. E deixem o Rei em paz, oras!

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