terça-feira, 21 de julho de 2009

Gay Talese não conhece o Google

Não fui à Flip. Não assisti à palestra realizada no Masp. Tampouco estive entre os jornalistas que lograram receber Gay Talese em sua própria editora. Por isso encarei com grata satisfação o fato de vê-lo adentrar minha casa na noite de ontem, com lencinho no bolso e tudo, através da tela da tevê. Gay Talese esteve no centro do Roda Viva. Fosse uma mesa de bar, é provável que a conversa se estendesse até a madrugada, e que o discurso ganhasse ainda mais brilho, e que a pompa de autor festejado cedesse espaço ao despojamento do repórter curioso (que Talese ainda é, e não consegue disfarçar, por mais esforço que faça). Mas como eu não tenho certeza se esse senhor elegante frequenta botecos - nem mesmo se bebe cerveja e come pastéis - dei-me por contente ao ouvi-lo no programa.


Foi Caio Túlio Costa, de quem lembro ter devorado em dois dias o belo e contundente "Cale-se" (A Girafa, 2003) - livro-reportagem sobre a guerra civil instalada em São Paulo pela repressão de 1973 -, a ótima pergunta: "Gay Talese, se uma editora o procurasse com a proposta de escrever um perfil e lhe desse duas opções, qual você escolheria: um perfil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ou um perfil dos jovens que fundaram o Google, Larry Page e Sergey Brin?" "Do Ahmadinejad, sem nenhuma dúvida", o entrevistado respondeu. "Google, eu nem sei o que é. Minha mulher diz que eu não entendo dessas coisas porque sou preguiçoso. Eu não acho que seja isso. Eu apenas prefiro fazer minhas pesquisas por minha conta, e não por meio de um mecanismo no computador."
Gay Talese não conhece o Google. Mas o Google conhece "gay talese". Uma busca por essas duas palavras, devidamente abraçadas por aspas, retorna 336 mil registros. Talvez Larry Page e Sergey Brin não conheçam Talese - um desvio de conduta facilmente corrigido com uma ou duas "googladas". Mas nem isso tira do autor de "A mulher do próximo" e "Fama e anonimato" a culpa por ser tão severo diante de um site que lhe é tão receptivo. Gay Talese, na verdade, não precisa do Google. Seu negócio é ir às ruas, andar, estar com as pessoas, observar, conhecer suas histórias, desvendar seus mistérios. Uma vez, meteu na cabeça o desejo de entrevistar uma jogadora de futebol chinesa que havia perdido um pênalty na final do campeonato, decretando a derrota do time e cobrindo-se de vergonha. Para isso, teria de pegar um avião, cruzar o planeta, se hospedar durante algum tempo no país mais populoso do mundo, e certamente gastaria na brincadeira uma pequena fortuna (pequena é um lugar comum inserido aqui apenas para dar ritmo à frase). Tudo isso para ter uma conversa que, talvez, não rendesse matéria alguma. Foi exatamente o que ele fez, sem usar o Google sequer para escolher e reservar o hotel. O perfil, quando concluído, acabou não sendo publicado em nenhum jornal ou revista, permanecendo na gaveta até ser incluído no livro "Vida de escritor" (Companhia das Letras), seu mais recente lançamento.
É esse o jornalismo que interessa a Gay Talese. Não o jornalismo do furo, o jornalismo feito às pressas com um olho na audiência e outro na tiragem. Também não lhe interessa o jornalismo dos políticos, dos poderosos, das celebridades. É possível que ele nem conseguisse fazer um jornalismo que não fosse o das ruas, garimpado no cotidiano, fungindo das fontes óbvias que todos os demais jornalistas costumam procurar. "Saiam de trás de seus lap tops", ele pede. "O lap top é o maior inimigo da boa reportagem".
Hoje, soa um tanto ridículo ouvir aquele senhor de cabelos brancos desmerecer a tecnologia, ainda mais quando se sabe que o lap top, por exemplo, é uma ferramenta indispensável à boa reportagem, exatamente pelo motivo de ser portátil e poder acompanhar o repórter em suas andanças e peregrinações. Também os sistemas de busca, verificada a idoneidade da fonte consultada, permite ao repórter perder menos tempo com a burocracia e com o universo dos números para se acercar daquilo que realmente importa para a boa história, seja ela ficcional ou jornalística: os personagens, a trama, o ambiente. A mulher de Gay Talese concorda comigo. E, após 50 anos de casamento, serve de contraponto para a teimosia do gênio. A caminho do estúdio para gravar o programa, ele conta, sua mulher lembrou que era aniversário de sua filha, em Nova York. Se dependesse apenas dele, o casal esperaria o programa acabar para voltar ao hotel e, só então, dali a quatro horas, fazer um telefonema internacional ou, em última hipótese, enviar um telegrama. Sua mulher, exata e precisa em sua atitude, sacou da bolsa um Blackberry e enviou um torpedo para a filha ali mesmo, de dentro do táxi: parabéns transnacional. Eu, cá entre nós, prefiro ter à mão o lap top e o Google. Sem abdicar, evidentemente, da referência inevitável de Gay Talese.
Não fui à Flip. Não assisti à palestra realizada no Masp. Mas pude aprender mais um pouco com as histórias contadas por Gay Talese no Roda Viva de ontem. Para ser honesto, não o teria feito se minha querida amiga Nathalia não me avisasse da entrevista, enviando ao meu celular um torpedo casual, um prosaico sms. Definitivamente, Gay Talese não sabe o que está perdendo.

2 comentários:

  1. Tava lá, zapeando nesses canais de meu deus, quando dei com o cara naquela roda viva. Não poderia ter feito outra coisa que não fosse compartilhar com vc. Eu era uma estagiária quando vc deixou "Fama e Anonimato" sobre a minha mesa. Faz um tempão, não? rs Fora a aversão ao Google (que usado com bom senso pode ser mesmo uma incrível ferramenta pra gente), esse homem me deixou babando em frente a tv. Também quero contar as histórias dessa gente extraordinariamente comum. Beijão

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  2. Bela crônica (não um post), Camilo. Estava sem referências (exceto por uma bobagem do Caio Blinder no Manhantan).Grato por tê-lo no blogue do Projeto Portal,
    Abraço
    Marco Araújo Bueno

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