terça-feira, 13 de abril de 2010

Psicografando esperança

Fui assistir à cinebiografia do Chico Xavier. Já pro finalzinho do filme, na cena em que o personagem de Toni Ramos chega em casa depois do trabalho, as comportas cederam e um catártico sumidouro, surgido sabe-se lá de onde, me fez imergir em lágrimas e caretas. Foi uma espécie de recorde nos meus trinta anos de público: pela primeira vez, chorei em dois filmes em um intervalo inferior a dois meses. Deve ser o climatério, pensei, segundos antes de lembrar que homem não vive essas experiências, muito menos aos trinta anos. Ninho vazio, foi a segunda hipótese que apresentei a mim mesmo, embora ainda não tenha filhos, menos ainda em idade de sair de casa.


O filme é bom. Uma espécie de poderosa revelação para leigos como eu - que pouco sabia da vida do médium e nunca estudei a fundo os meandros da psicografia e das incorporações. Devia tê-lo feito mais cedo. E, para ser sincero, oportunidades não me faltaram. Meu avô era espírita, um irmão caridoso que ajudou a fundar um centro em sua cidade e que, presidente de mesa, dedicava duas ou três noites por semana às atividades do local: grupos de estudos, passes, seções, "trabalhos". Por mais de cinco anos, conciliou o expediente como fotógrafo (era dele o único estúdio da cidade, onde toda a população ia tirar retratos para documentos, revelar negativos e contratar seus serviços para batizados e casamentos) com a função de supervisionar as obras de um orfanato construído e mantido pelo centro, acho que até hoje. Infelizmente, meu avô morreu em 1999 sem que tivéssemos conversado de homem para homem sobre o assunto. Culpa minha, que nunca fiz as perguntas certas. Curiosamente, eu havia me matriculado em um curso de fotografia um ano antes de ele morrer e, meses depois, faria minha primeira exposição. Ele já não estava aqui para conferir minhas fotos e, como em relação ao espiritismo, jamais tive ocasião de bater um bom papo sobre fotografia com ele.


Voltando ao assunto do post, o que me emocionou no filme não foi a infância dura do menino Chico, a ausência da mãe ou as espetadas de garfo que levava da madrasta. Tampouco a desconfiança do pai e as injustiças cometidas por uma sociedade avessa a "bruxarias". O que me emocionou foi descobrir, ali, as proporções que uma breve mensagem pode assumir. É incrível o efeito provocado por palavras sopradas por espíritos quando atingem os ouvidos de seus pais, esposas e maridos. Quatro ou cinco linhas, às vezes, mesmo que tenham sido rabiscadas às pressas pelo médium, transformam-se no mais acolhedor dos abraços quando lidas pelo destinatário. O que toca, em Chico, não é a intensidade de seu sofrimento, mas a extensão da esperança e do conforto que ele soube transmitir a milhões de brasileiros.
Eu estive em seu velório e pude conferir seu enterro. Em junho de 2002, era repórter da ISTOÉ e fui escalado para viajar a Uberaba a fim de cobrir a comoção nacional provocada pela sua morte, justamente no dia em que, no Japão, a seleção brasileira comemorava a conquista do pentacampeonato. Cerca de 100 mil pessoas foram se despedir do mais famoso médium do mundo, que psicografou nada menos do que 418 livros em 92 anos de vida. Após dois dias em Uberaba, voltei a São Paulo com a matéria de capa. E a sensação de que, com ela, homenageava de alguma forma meu querido avô.


O filme me fez lembrar essas experiências todas. Ao voltar pra casa, corri para o fichário onde guardo as quase 300 matérias que publiquei em sete anos de ISTOÉ para reler o que havia escrito na ocasião, oito anos atrás. O primeiro parágrafo segue abaixo. Quem quiser ter acesso à íntegra do texto, clique aqui. E quem quiser assistir ao filme, não hesite em ir ainda nesta semana. Vale pela obra e pela obra por trás da obra.
"Manhã de segunda-feira em Yokohama, noite de domingo em Uberaba, no triângulo mineiro. Enquanto a delegação brasileira voltava da farra e preparava as malas para deixar o Japão, Chico Xavier iniciava também sua última viagem. Vivo, o médium mais famoso do Brasil anunciou seu desejo de morrer em um dia em que o País estivesse em festa. No dia 30 de junho, como se quisesse aproveitar a oportunidade, Chico Xavier quis saber o resultado da Copa e manteve-se sereno o resto do dia. Percorreu cada ambiente de sua casa, visitou todas as salas da Casa da Prece – o centro onde promovia sessões de psicografia, a escrita de mensagens ditadas por espíritos –, e se recolheu logo após o jantar. Em menos de dez minutos, uma parada cardíaca selou sua trajetória neste planeta. Como dizem os espíritas, Chico Xavier desencarnou, aos 92 anos, para permanecer em espírito entre os compatriotas."

3 comentários:

  1. Camilo, são raras as vezes em que eu paro para ler um blog... sua chamada no facebook me atraiu para esse belo texto... O poder de mensagens como as de Chico Xavier é assustador... Eu mesma, logo depois que minha mãe morreu, corri atrás de algumas linhas que me fizessem menos cética e mais confiante na vida após a morte... Parabéns pelo texto! um beijo, Luanda

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  2. Camilo, adorei seu post por motivos óbvios. Mas fiquei muito feliz ao ler a reportagem de 2002 para a IstoÉ. Está completa, não envereda para polêmicas e retrata bem o que é o espiritismo. E o abre é tocante!

    Abraço, edu.

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  3. Obrigado, Luanda. Fico feliz por você ter dedicado uma dessas raras visitas ao Tudo Cabe. Nunca presenciei uma psicografia, mas imagino como deve ter sido sua experiência. Viu o filme?
    E você, Edu, sempre muito gentil, deve saber que eu dificilmente enveredaria para polêmicas idiotas em temas como este. Meu sincretismo eu aprendi com Riobaldo:
    "Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim, é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de cumpadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque".
    Forte abraço!

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