domingo, 11 de abril de 2010

Disciplina e método

Ontem decidi fazer um pavê. Escolhi a receita, comprei os ingredientes, quebrei "grosseiramente" as amêndoas (seguindo as instruções) e até usei um jogo de medidas para traduzir "meia xícara de chá" e "uma colher de sopa". Não rolou. Meu pavê virou uma esquadra de biscoitos flutuando em um oceano de chocolate. Isso depois de empelotar o amido de milho (maizena) e constatar que a calda que deveria umedecer as bolachas não deu sequer para metade do pacote.
Dormi frustrado, combalido com o fato de jamais ter feito uma sobremesa que desse certo. Adoro cozinhar e costumo mandar bem na maioria dos pratos que preparo: todos salgados. Já entre os doces, nunca consegui me entender com bolos, tortas e pavês. Falta-me disciplina, acho. Irrita-me não poder abrir o forno enquanto o bolo assa para testar-lhe o ponto. Nem cortar um pedaço, uma fatia, para saber se o tempero está bom.
Doces exigem obediência e método, uma certa obsessão com a qual não estou habituado. Gosto do "jeitinho" das woks, dos legumes salteados, do molho borbulhante em que posso a qualquer momento adicionar mais um ramo de salsa ou girar três vezes o moedor de pimenta. Gosto da "gestão participativa" das grelhas, governo democrático em que se pode espetar a carne, fatiar a carne, virar a carne, aproximá-la ou afastá-la das brasas, adicionar sal grosso (chimichurri?) conforme as conclusões empíricas obtidas in loco. Gastronomia baseada em evidências.
Fazer doce, ao contrário, é alquimia, bruxaria das brabas. Vinte gramas disso, quarenta mililitros daquilo. Pata de gafanhoto, unha de morcego, pêlo de chinchila. Fusão de elementos químicos a produzir algo novo, totalmente diverso do que se tinha a princípio. Calda que enrijesce ao esfriar, massa que dobra de tamanho em altas temperaturas.
Sobremesas exigem precisão. Este é o ponto. Uma precisão que, submetida às garras de um leigo como eu, impede qualquer hipótese de criação, afasta qualquer possibilidade de improviso. Fazer doce é preciso, viver não é preciso. Ainda bem que São Paulo tem uma porção de confeitarias.

2 comentários:

  1. querido, muitas saudades! vamos combinar um pudim na usp quando eu voltar. tantos lugares lindos, tantas experiencias novas. mentira sua > nem tudo cabe. essa viagem simplesmente nao cabe em mim. beijo grande!

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  2. disciplina é liberdade

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