sábado, 31 de outubro de 2009

Porco e tricolor

Um clássico.
De lotar arquibancada e inspirar altivas discussões de boteco.
Um clássico.
De pôr saliva na boca e brilho nos olhos.
Um clássico.
Disposto a provar que é possível ser ao mesmo tempo porco e tricolor.
Assim é o torresmo, essa delícia confeccionada com apuro e técnica para deleite da torcida.


Clássico da baixa-gastronomia, parceirinho-cem-por-cento da cachaça e da caipirinha, o torresmo é o milagre da barriga do porco.
Integra o time das gratas surpresas culinárias, como o ossobuco - tenra iguaria nascida da canela do boi - e a pipoca - saboroso e lúdico rebento forjado a partir de um grão de milho seco e miúdo.
Assumi, no mês passado, a calórica tarefa de experimentar alguns dos mais famosos torresmos de São Paulo a fim de eleger o melhor da categoria. Isso é o que eu chamo de Campeonato Paulista, melhor que qualquer concurso de miss.
As informações colhidas durante o trabalho de campo foram compiladas e reunidas em resenha publicada na edição de hoje da revista Época São Paulo, intitulada "O melhor de São Paulo", que fica nas bancas até o dia 6 de novembro. Para a imagem acima, feita pelo fotógrafo Dulla, posaram os artilheiros do ano, os capitães da malandragem, os ganhadores do troféu - coquetes de invejável sex appel e caloroso gingado a rebolar, sedutoras, entre as mesas do Mocotó.
O bom torresmo tem três cores bem definidas. Aprendi isso com minha amiga Dani Doneda, que ouviu a expressão de sei lá quem. São-paulino de fé, embora mais "frôxo" do que "rôxo", gostei da indicação e passei a investigar os subterfúgios de cada uma das cores ali presentes, divididas em três faixas paralelas, como as bandeiras da Itália ou da França.
A primeira etapa do torresmo é a carne. Avermelhada, deve ser macia e generosa, sem exageros de sal, e desfiar a cada dentada. A segunda banda da iguaria é a gordura. Alva, deve ser aerada e leve, dissolver-se na boca sem criar ranço nem grudar nos dentes, o que costuma acontecer em restaurantes menores, pouco experientes na arte de acertar a temperatura da frigideira. Finalmente, a linha da pele deve estalar na boca, pururuca, esbanjando crocâncias e criando uma profusão musical de trecs e rocs: espetacular queima de fogos no céu da boca. Tudo isso em pequenas proporções, é claro, uma vez que o torresmo é primo-irmão dos hai-kais, aqueles poeminhas japoneses de apenas três versos e sintética eloquência, feitos para serem abocanhados de uma só vez.
Com o perdão do trocadilho, tomara que o porco tricolor funcione como aperitivo (acepipe?) para a bela edição de novembro da revista, que o bom glutão não deixará de conferir.

Um comentário:

  1. Camilo, seu texto demonstrou que provar um torresmo pode ser o estopim de uma epifania. Amei! Um beijão. Cris

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