domingo, 24 de abril de 2011

Ligeiramente grávido

Foi no dia 24 de fevereiro, há exatos dois meses, que chegou o e-mail. "Veja com seus próprios olhos", ela dizia, numa mensagem para lá de econômica, seguida por um número de protocolo e uma senha. Eu estava na redação e parei o que fazia para obedecê-la (dali em diante, obedecê-la viraria um hábito). Acessei o site do laboratório e devo ter tropeçado em alguns algarismos até dar de cara com o resultado de um exame feito, na véspera, às 16h58 (hora aproximada, segundo o laudo médico, pode?) por Aline Matos Gurgel, 34 anos, sexo feminino. Levei um susto quando li que minha mulher estava infectada com uma tal de gonadotrofina coriônica humana. Com esse nome do demônio, só podia ser coisa grave. Imaginei meu amor com avental azul-claro, hospedada num quarto de hospital. Será que o convênio iria cobrir a cirurgia? Deus-pai, seria possível curar essa doença com cirurgia? Continuei a ler o laudo e fiquei ainda mais nervoso. Aline estava com 11.303 mUI/mL (mili-unidades internacionais por mililitro de sangue) dessa maldita gonadotrofina coriônica humana - quando o valor de referência é inferior a 1. E ela me aparecia com 11.303? Tô lascado, pensei, solidário. Mais embaixo, encontrei um breve manual para leigos. Dizia assim:

Interpretação na suspeita de gravidez:  
NEGATIVO: inferior a 1,0 mUI/mL 
POSITIVO: superior a 25,0 mUI/mL

Como é que é? Voltei para conferir o número lá em cima: 11.303,0. Fiz os cálculos para saber se aquilo era mais do que 25,0 e... bingo! Bendita seja a gonadotrofina coriônica humana, também conhecida como beta-HCG!!!

A decisão de ter um bebê havia se instalado lá em casa em novembro. Por três meses seguidos, fizemos aquela coisa meio constrangedora, meio embaraçosa, de acompanhar o período fértil, calcular aproximadamente o início e o fim, definir as datas mais promissoras e mandar ver, de olho no calendário. O primeiro aroma de alegria surgiu em meados de fevereiro, quando o que era para vir não veio. Passados dez dias, Aline foi fazer o exame. Segura como só as mulheres conseguem ser quando encasquetam que algo se passa em seu organismo, nem cogitou a possibilidade de passar na farmácia para comprar um daqueles testes de xixi. Preferia uma coisa mais profissa. E, assim, fiquei sabendo o que significa beta-HCG, segundos antes de descobrir que seria pai. Era hora de responder o e-mail: "Que jeito mais impessoal de me contar!!!", escrevi. "Vou te ligar daqui a pouco. Amo você. E o Daniel. Ou a Marina (ou a Clara, ou a Bruna)." Não preciso explicar que aí estavam, desde aquele momento, os nomes mais prováveis do baby, após horas e horas de discursos inflamados, disputas acirradas e deliciosos consensos. Pouca coisa é mais sedutoramente ridícula do que papo de casal imerso em sonhos, planos, projetos e paixões.


O médico sugeriu que guardássemos segredo até os três meses. Ainda faltavam dois. Ou um mês e meio, conforme a curiosa conta na qual se considera não o dia da concepção, mas da última menstruação. Sim, porque o tal exame beta-HCG também tinha o poder de indicar os dias de vida - ou melhor, de útero - do nosso bebê. E, conforme a progressão continuada dos índices do hormônio no sangue, era possível saber, por exemplo, que o Daniel (ou a Marina, ou a Bruna, ou a Clara) havia sido produzido lá pelo dia 23 ou 24 de janeiro. Feriadão em São Paulo, veja você. Nada como ir para a praia depois do fechamento, comer uns camarões, tomar um vinho... Se a cidade querida, que me inspira diariamente no meu trabalho, nasceu num dia 25 de janeiro, lá vinha o(a) Vannuchinho(a), repetindo o mesmo roteiro. Que coisa curiosa.

Guardei segredo até a décima-segunda semana. Sim, porque mãe que é mãe não diz que a gestação tem três meses. Essa gente prefere contar o tempo em semanas. E eu que me acostume, oras. Pois bem: quando se completaram 12 semanas desde a última menstruação, fui com Aline fazer um ultrassom. Coisa mais fofa do papai! O bebê estava ali, pimpão, com oito centímetros de altura, enrolado num espiral com cinco centímetros de diâmetro, e um agitado coração a surpreendentes 161 batimentos por minuto. São desse ultrassom as imagens que ilustram esse post. Dois dias depois, fui encontrá-la no consultório, a tempo de presenciar os últimos instantes de conversa entre ela e o médico - e fazer também uma e outra perguntinhas. Até quando ela pode pegar avião? O que ela deve tomar se tiver dor de cabeça? Pode comer sushi e sashimi? O mais importante foi saber que o bebê está grande, normal, saudável, com todos os dedinhos. E que deve pintar por aí lá pelo dia 20 de outubro.



Agora eu já posso contar? Pode. Primeiro a mamãe, depois o papai e as irmãs, e a "vodrasta", e o compadre, e a vovó, e a turma do trabalho toda, e os amigos mais próximos, e o povo do facebook. Como é difícil dar notícia em tempos de redes sociais... Antigamente as famílias eram menores, e menos espalhadas, e nas cidades do interior todo mundo se conhecia. Aqui a gente comemora a prestações. Tenho certeza de que, quando o bebê nascer, muita gente vai ser pega de surpresa. É assim mesmo. E aí, quando contei pro meu pai, fiquei sabendo que eu também fui concebido num feriado de 25 de janeiro. Que coisa. A história muitas vezes se repete, disse certa feita aquele comunista barbudo que devia ser tio do Groucho Marx. Só que este futuro papai apaixonado, 31 anos atrás, foi apressado demais para esperar o finalzinho de outubro e resolveu nascer antes, em meados de setembro. É o que costuma acontecer com fetos que são curiosos demais para bisbilhotar o mundo lá fora.

Hoje, curtimos a dois os efeitos colaterais da gravidez. Às vezes fico enjoado (juro!) e nunca tive tanto sono na minha vida. Aline já está com cheiro de mãe, cheiro de bebê. Não me peça para explicar como é isso. Mas é um cheiro diferente, que exige afeição imediata, como aqueles olhos gigantes do gato de botas do Shrek. Estou adorando olhar para a barriga dela e ver o quanto ela cresce a cada dia. A melhor hora do dia é quando deitamos e eu passo um creme na sua barriga, toda noite, trocando algumas palavras com o baby. Aline, que já leu uns três livros até agora, me explicou que ele só vai me escutar no sétimo mês. Não importa. Eu curto esse lance de bater papo com meu filho, minha filha, nosso rebento. Será também o primeiro neto, de ambos os lados, e o primeiro sobrinho (ou neta, ou sobrinha). Nessa Páscoa, já ganhou até um coelhinho de pelúcia. E três pares de meias. Também já ganhou dois pares de sapatinhos de crochê (ou será de tricô?).

No primeiro sonho que tive com ele, logo na semana em que recebi o e-mail mais feliz do ano, Daniel (era um bebê com pipi no meu sonho) não calçava nem meias nem sapatos. Estava nu, deitado de bruços sobre meu peito, na cama, fazendo força para levantar a cabeça e olhar para mim, sorrindo de vez em quando e esfregando os olhinhos, até adormecer. Eu fiquei ali, que nem um bocó, olhando para o teto, curtindo aquele coraçãozinho colado no meu coraçãozão, afagando suas pernas gordas, seu cabelo ralo, enquanto ele dormia. Minha terapeuta fez festa quando contei: "Não poderia ser um sonho melhor", ela disse. "Você poderia ter sonhado com ele aos berros, chorando, com febre. Esse sonho indica o quanto você está feliz, o quanto está realizado e o quanto está calmo com a novidade." Feliz e realizado, eu estou com certeza, Ana. Mas, calmo? Sei não, sei não...

3 comentários:

  1. PARABENS CAMILO!!! MENINA OU MENINO QUE VENHA COM SAUDE

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  2. OI Camilo!! Que delícia de post! Como vc escreve bem! Gostei muito, seu blog vai fazer parte da minha rotina de agora em diante! Enorme parabéns pela novidade, ao ler o seu texto fiquei com lágrimas nos olhos. Essa nova vidinha tem muita sorte de chegar nessa família tão amorosa e que a quer tanto! Que bom, mais uma pessoa do bem no mundo!! Um abraço bem forte, uma ótima gravidez para vcs e TUDO de bom para o bebê! Por favor, nos mantenha informados! Muito bom retomar o contato com vc! Ju (bento) : )

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  3. Que maravilha, Ju. Faça-nos sempre uma visitinha por aqui. Bjos.

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