sábado, 6 de março de 2010

Johnny e a brisa

Não frequentei a boate do Hotel Plaza, em Copacabana. Tampouco conheci a Baiúca, nem a casa da Major Sertório nem o segundo endereço, na Praça Roosevelt. O piano de Johnny mesmo, eu só o conheci pelos discos. E nem faz tanto tempo assim.


Foi em 1994, um janeiro preguiçoso na Bahia, que eu ouvi falar de Johnny pela primeira vez. Tinha 14 anos na ocasião e, estendido numa rede após o almoço, empenhava os finais de tarde a decifrar a bossa-nova de dentro das páginas de Chega de saudade.
Foi Ruy Castro quem primeiro me sussurrou seu nome, estranho nome para um carioca de Vila Isabel. Mas, àquela altura, eu já havia sido apresentado a Dick Farney e Billy Blanco, brasileiros como Dorival e Ary, e não me espantaria se me dissessem que o negro Johnny nasceu Alfredo José da Silva.
Apaixonado que sou pela bossa-nova, do violão revolucionário de João Gilberto ao tac-tum-tac da bateria de Milton Banana, tive enorme satisfação em me enveredar por seus primórdios e conhecer seus precursores durante aquelas férias. E, instigado pelo livro, passei a procurar gravações de época e a me interessar pelos samba-canções dos anos 1950, com a reverência que os mestres merecem.
Senti um baque ao topar com a faixa Eu e a brisa na gravação de Márcia classificada para o festival da Record de 1967 (o mesmo festival em que Elis defendeu O cantador, Chico e MPB4 emplacaram Roda viva, Gil cantou Domingo no parque, Caetano foi de Alegria, alegria, Sérgio Ricardo quebrou seu violão ao ser vaiado por Beto bom de bola e Marília Medalha ajudou Edu Lobo a sagrar-se campeão com Ponteio).
Se a juventude que essa brisa canta
ficasse aqui comigo mais um pouco
eu poderia esquecer a dor
de ser tão só
pra ser um sonho.
Que coisa linda essa Eu e a brisa! Arrisco dizer que, na mesma tarde em que a conheci, devo ter retornado a agulha ao início da faixa umas dez vezes seguidas. Já em 1994, a música soava antiga, cafona, triste. Mas, aos meus ouvidos, era ouro sobre azul. E me dava certa nostalgia de coisas que não vivi, como se os versos fossem soprados pela própria Música, com "eme" maiúsculo: a bossa-nova em pessoa a clamar por uma segunda chance de ser ainda jovem, a pedir um pouco mais de atenção, um pouco mais de paciência.
Oh, brisa, fica, pois talvez, quem sabe,
O inesperado faça uma surpresa
e traga alguém que queira te escutar
e junto a mim
queira ficar
Johnny morreu na quinta-feira passada, dia 4, em decorrência de um câncer de próstata. Tinha 80 anos.
E eu corri para ouvir Eu e a brisa de novo.
Continua cafona. E linda. Imensamente linda.

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