quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A "selfie" de Obama

A "selfie" de Obama em foto de Robert Schmidt para a France Presse 

Essa foi, sem dúvida, a foto mais comentada da semana. No alto, da esquerda para a direita, aparecem o premiê da Grã-Bretanha, David Cameron, a premiê da Dinamarca, Helle Torning-Schimidt, o presidente dos EUA, Barack Obama, e a primeira-dama americana Michelle Obama. O cenário? O estádio Soccer City, em Joanesburgo. A ocasião? O funeral de Nelson Mandela. Bastou cair na rede para que a imagem corresse o mundo. Que disparate, que desrespeito, que absurdo, julgaram os web-patrulheiros. Isso lá é hora de ficar tirando foto, entre chistes e gracejos, como se estivessem todos na casa da sogra? Saca só a expressão de paisagem de Michelle, minha gente. Pensa no constrangimento dela diante de um marido tão inoportuno quanto fanfarrão...

Meme publicado no Blogotariat.com

As conclusões instantâneas dos web-patrulheiros foram sintetizadas em dezenas de notas, em blogs e jornais de diversos países. Quase sempre, inclusive no Brasil, as matérias faziam referência não a uma "foto" tirada pelos chefes de estado, mas a uma "selfie", a selfie de Obama, segundo a preferência dos editores. "Obama participa de 'selfie' no funeral de Nelson Mandela", informou o jornal O Globo. "Obama tira 'selfie' no funeral de Mandela", sintetizou o Estadão logo depois. Obama e premiê dinamarquesa fazem 'selfie' no funeral de Mandela", repetiu Veja quase duas horas depois. Impagável, o jornal O Povo, de Fortaleza, optou por divulgar a repercussão imediata da foto, com base num tuíte de Michael Moore: "Reação de Michele (sic) ao 'selfie' de Obama não tem preço, diz cineasta". E logo apareceu, pelas mãos da Carta Capital, o primeiro artigo a analisar a situação com olhar de observatório: "A 'selfie' de Obama e o jornalismo apressado". 


A sátira do site Ela tá de Xico ironiza a espionagem dos EUA

Desatento perante a maioria das novidades da internet e ignorante quanto a muitas expressões inglesas, eu não fazia ideia do significado de "selfie" e fui pego de surpresa pelas chamadas que pipocavam na minha timeline. Num primeiro momento, intuí que selfie deveria significar brincadeira, descompostura, provocação. Mais do que o auto-retrato, o que parecia causar espécie entre os comentaristas era a suposta falta de tato do presidente. Selfie, portanto, só poderia se referir a isso: um acinte. Deixei pra lá. 


Reportagem publicada no jornal espanhol El País

No segundo dia, uma nova notícia me trouxe de volta ao tema. Agora, era o autor da imagem, Roberto Schmidt, quem explicava o momento da foto num blog da France Presse, agência para a qual trabalha. No texto, intitulado "The story behind 'that selfie'", o fotógrafo afirma que Michelle não estava de mau humor como a imagem pode dar a entender. Instantes antes do clic, segundo ele, Michelle também brincava, assim como muitos dos presentes ao funeral. "Em todo o estádio, sul-africanos dançavam, cantavam e riam em homenagem ao líder", escreveu Schmidt. "Estava mais para uma atmosfera de Carnaval, nem um pouco mórbida". Fui, enfim, procurar o significado de selfie. A expressão nada mais é do que a síncope, o encurtamento, de self-portrait, auto-retrato. Óbvio. 

Na acepção correta do termo, a selfie não seria de Obama, mas da premiê dinamarquesa, ladeada circunstancialmente por Cameron e Obama, como uma Dona Flor de paletó e colar de pérolas. E selfie, descobri em seguida, é palavra da moda. Em novembro, foi escolhida como palavra do ano pelos editores dos dicionários Oxford (sim, esse pessoal não tem mais o que fazer e usa o tempo livre fazendo eleições desse tipo). Em 2012, a escolhida por eles havia sido "gif".  
  
Cameron, Helle e Obama, portanto, se mostraram antenadíssimos. Madiba e Michelle que me perdoem, mas fazer selfie é fundamental, essencial, mais forte do que nós. Segundo a turma dos dicionários Oxford, as redes sociais popularizaram de tal maneira a produção e a publicação de auto-retratos que o uso da palavra selfie aumentou 17.000% num intervalo de doze meses. Se os homens, em especial os turistas, jamais conseguiram reprimir o impulso de fotografar tudo o que veem — como se ter uma foto da Torre Eiffel fosse mais importante do que admirá-la —, os smartphones cumpriram o papel de facilitar o trabalho de incluir-se na paisagem, o que antes exigia malabarismos manuais ou o inevitável pedido a um estranho qualquer: "você se importaria de tirar uma foto minha?".

Eu mesmo, habituado desde os 20 anos a viajar sozinho para fazer matéria em diferentes lugares, me tornei um habitué das selfies antes mesmo de usarem o termo pela primeira vez, o que aconteceu em 2002, sempre segundo o pessoal de Oxford. Mas dava trabalho, em especial com minha câmera de objetivas cambiáveis. Qual não foi minha surpresa quando comprei um iPhone há dois anos e descobri um comando que simplesmente inverte o sentido da lente, permitindo que eu enxergue a mim mesmo no display. Virou festa. Dá para fazer caras e bocas sozinho, sem ninguém por perto, disparar dezenas de fotos e, em seguida, apagar todas as que desagradam. Ficou sem foco? Delete. A luz não ajudou? Delete. Pisquei? Delete. Arregalei os olhos? Delete. Tô gordo? Delete. Que narigão... Delete. A prática é tão difundida que o Guardian acaba de publicar uma divertida lista com as piores e melhores selfies divulgadas ao longo do a ano (obrigado pela dica, Edu!).

Selfie do astronauta Luca Parmitano: a melhor segundo o Guardian

Numa rápida consulta ao meu rol de amigos no Facebook, arrisco dizer que uns 20% adotam selfies como fotos do perfil. Isso sem considerar os que, em lugar da foto, preferem publicar grafismos, ilustrações ou fotos de outras pessoas.

Sobre a selfie dos chefes de Estado captados no Soccer City, achei um barato. Fiquei imaginando a tal da Helle acionando o 3G para atualizar imediatamente sua foto do perfil. Nada mais natural. Se pintasse uma oportunidade, você também não ia querer tirar uma foto com o Obama? E mais: não ia querer guardar para a posteridade uma prova de que compareceu ao funeral de Mandela, igualzinho ao Bono e à Naomi? Eu ia. Ô se ia.

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