quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O direito à comunicação


Ontem fui ao lançamento do livro "Indicadores do Direito à Comunicação", escrito por meus amigos do Intervozes, um coletivo formado por jornalistas e radialistas preocupados com os conglomerados de mídia e sua resistência, velada ou aberta, à democratização dos meios de comunicação.
Voltei para casa interessado no tema e no título. A despeito de todos os vícios de linguagem ali reunidos - um compilado de expressões disseminadas em universidades e obras acadêmicas como "fomentar", "fortalecer o diálogo" e "desafios e opções metodológicas" -, gostei muito do que li. A justificativa do estudo, logo na página 15, serve como ponto de partida explícito da relevância da abordagem. "A defesa do direito à comunicação esbarra cotidianamente na ausência de referências objetivas", diz o texto. "Ao mesmo tempo em que se ampliam os atores envolvidos nessa luta e o entendimento de sua centralidade para a luta pelos direitos humanos, faltam elementos de referência sobre seu atual estágio de desenvolvimento e apropriação pela população". Mais além, ainda na mesma página, os autores traçam com humildade e singeleza a linha-mestra da empreitada: "A intenção desta pesquisa foi dar início ao desenvolvimento de indicadores que permitam à sociedade quantificar e qualificar os elementos fundamentais que indicam a efetivação do direito à comunicação, estabelecendo referências normativas para isso. Esta questão se torna ainda mais relevante quando se entende a comunicação como elemento chave para a democracia."
Direito à comunicação é um conceito ainda relativamente novo, que chega ao centro do debate para ser devidamente explorado e, à medida do possível, exaurido. Ele se soma ao já bastante conhecido tema da liberdade de expressão. Trata-se, se me permitem uma analogia com a campanha eleitoral deste ano, do "pós-Lula" da democratização da mídia. Vamos a mais um trecho do livro, copiado da página 23: "A liberdade de expressão é um direito humano fundamental. Entretanto, a ideia por trás do direito à comunicação sustenta que esta liberdade só pode ser alcançada de forma plena se for assegurado um conjunto mais amplo de direitos ao seu redor, como o acesso aos meios de comunicação de massa. Na prática, o direito à comunicação requer que sejam criadas, de fato, as condições necessárias para um ciclo positivo de comunicação, que envolve um processo não apenas de busca, recepção e transmissão de informações, mas também de escuta, compreensão, aprendizagem, criação e resposta - o que passa por medidas que assegurem a diversidade da propriedade e dos conteúdos dos meios de comunicação, indo além da liberdade de expressão como direito individual."
Mais provocações? Vamos lá: "De acordo com a lei, uma pessoa pobre que busca dar visibilidade à injustiça que sofre tem a mesma proteção de seu direito à liberdade de expressão, de expressar seus pontos de vista, do que um poderoso magnata dos meios de comunicação. Porém, na prática, ela carece de recursos de toda ordem - econômica, política, técnica, cultural e social - para fazer ouvir sua voz, enquanto o dono de um veículo possui os meios para garantir que sua mensagem seja amplamente ouvida. A liberdade de expressão pode ser na prática, então, uma liberdade para poucos, muito poucos. De fato, quão real é a liberdade de receber e transmitir informação quando não se pode ler ou escrever? Ou a liberdade de buscar e receber informação em lugares onde os governos e empresas não têm obrigação de fornecê-la? Ou quando o acesso a meios de comunicação como a telefonia ou a internet não são garantidos?"
Funcionário há dois anos e meio de um desses grandes grupos de mídia, dos que gozam da mais completa diversidade de recursos e instrumentos para exercer a liberdade de expressão na forma mais ampla, conforme a analogia mencionada pelos colegas do Intervozes, sinto-me de alguma forma devedor dessa frente, dessa ordem, dessa aliança. Com o novo livro em mãos, já em casa, passei um bom tempo tentando entender por que diabos ainda não procurei o pessoal do Intervozes para me associar, pedir minha "filiação" ou seja lá o que baste para que eu possa também integrar essa aguerrida militância. Um sorriso meio maroto me surpreendeu, sozinho, quando pousei novamente os olhos nas carinhosas dedicatórias rabiscadas na folha de rosto: "Ao Camilo, ator importante nesse cenário desértico, carente de boas palavras e vozes inspiradoras", começava a mensagem do João, que conheci pelo apelido de Auí quando ainda éramos garotos. "Camilo, seguimos juntos em busca de nossa utopia democrática", emendava o amigo Diogo. Deus os ouça, meus caros, Deus os ouça.

Em tempo: O livro dispõe de uma licença Creative Commons e também pode ser baixado, em pdf, clicando-se aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário