domingo, 12 de setembro de 2010

O Tempo

"Alice suspirou enfastiada.
- Acho que você devia ter mais o que fazer - comentou - ao invés de gastar o tempo com adivinhas sem respostas.
- Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço - disse o Chapeleiro - não falaria em gastá-lo como se ele fosse uma coisa. Ele é alguém.
- Não sei o que você quer dizer - respondeu Alice.
- Claro que não sabe! - disse o Chapeleiro, inclinando a cabeça para trás com desdém. - Diria mesmo que você jamais falou com o Tempo!
- Talvez não - replicou Alice cautelosamente - mas sei que tenho de marcar o tempo quando estudo música.
- Ah! Olhe aí o motivo! - disse o Chapeleiro. - O Tempo não suporta ser marcado como se fosse gado. Mas, se você vivesse com ele em boas pazes, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio. Por exemplo: vamos dizer que fossem nove horas da manhã, que é hora de estudar. Você teria apenas que insinuar alguma coisa no ouvido do Tempo, e o ponteiro correria num piscar de olhos: uma e meia, hora do almoço.
("Gostaria que fosse mesmo" - disse para si mesma, num sussurro, a Lebre de Março.)
- Isso seria formidável, com certeza - disse Alice, pensativamente. - Mas então... talvez eu não tivesse fome ainda, entende?
- A princípio não, talvez - disse o Chapeleiro - mas você poderia ficar em uma e meia o tempo que quisesse.
- É assim que você faz? - perguntou Alice.
O Chapeleiro balançou a cabeça negativamente, com tristeza.
- Não, eu não - replicou. - Eu e o Tempo tivemos uma briga em março passado."
(Lewis Carroll, Aventuras de Alice no País das Maravilhas, traduzido por Sebastião Uchoa Leite)

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