domingo, 7 de novembro de 2010

Vá de táxi

A reportagem de capa da mais recente edição de Época SÃO PAULO gerou um burburinho acima da média. Ainda agora, no domingo seguinte à publicação, estamos colhendo os resultados da repercussão em sites, blogs e redes sociais. Não é de hoje que o tema da matéria - o que acontece com seu carro depois que você entrega as chaves a um manobrista - suscita indignação e espanto. O que nossa edição traz de novidade, além do testemunho pessoal e sem censura feito em primeira pessoa pela repórter Nathalia Ziemkiewicz, é a decisão editorial de retratar o cenário quase apocalíptico em que se converteu a noite paulistana com um olhar ao mesmo tempo aguçado e irreverente, jamais acompanhado de dedo em riste e pedantismo (como certas publicações que insistem em querer ensinar, alertar, doutrinar o leitor). Se existe algo de absurdo nas situações apresentadas na reportagem "Cara, cadê meu carro?", quem pode julgar é o leitor. O leitor e os espectadores dos dois vídeos de três minutos e pouco produzidos pela repórter em parceria com os fotógrafos Fernando Donasci e Leandro Moraes, que testaram alguns dos mais disputados serviços de valet parking de São Paulo com uma câmera escondida no veículo.


Juntos, os dois vídeos foram publicados no Youtube na quinta-feira 4. Na mesma tarde, se alastraram pelo Twitter, foram retuitados por Marco Luque, do CQC, para seus mais de 1 milhão e 300 mil seguidores, renderam matéria no Kibeloco e abriram caminho para que, na manhã do dia seguinte, ainda em alta, os vídeos ocupasses os dois primeiros lugares no topo da homepage do próprio Youtube. Ganharam um lugarzinho no Bombou na Web e, no momento em que escrevo, preparam-se para atingir, juntos, 850 mil acessos. Tudo isso em menos de quatro dias.


Para quem ouviu a sugestão de pauta de Rodrigo Pereira, conversou sobre ela com Ricardo Alexandre e ainda se lembra de ter ouvido dúvidas de colegas quanto à conveniência de publicá-la na capa, uma vez que todos nós nos recordávamos de ler matérias semelhantes em outros jornais e revistas, a sensação de  dever cumprido é gratificadora. Imagino que também esteja sendo gratificadora para a Nathalia, a maior responsável pelo sucesso da aventura (sim, reportagens como essa têm um sabor de aventura que só aqueles que dedicam suas vidas a buscar e relatar as melhores histórias são capazes de entender).


Nath é uma das repórteres mais destemidas que eu conheço. Aos 24 anos, magra e de baixa estatura, com uma aparência meiga e de amplo sorriso ao primeiro contato, a moça sobe nos tamancos à busca da notícia e não hesita em trocar o sono por mais algumas horas de apuração quando vislumbra informações fresquinhas no horizonte. Uma palavra antiga e completamente fora de uso é boa para qualificar sua postura no trabalho: azougue. Ao longo de três semanas, ela visitou mais de trinta estabelecimentos comerciais, entre bares, restaurantes e baladas, para testar o atendimento feito pelos manobristas. Procurou advogados e representantes de classe para reunir informações sobre o setor, compilar estatísticas e entender o que as empresas podem e o que elas não podem fazer. Torcíamos juntos. Quando ela me ligava ou mandava um torpedo da rua dizendo que o carro havia sido levado para um estacionamento, lamentávamos, subvertendo o pensamento normal do cliente cuidadoso.
Estranha raça a de jornalistas, sempre querendo desgraça, sangue, confusão! Passei três semanas torcendo para que o carro conduzido pelos manobristas visitados parasse na rua, levasse multa, fosse amassado e até roubado. Ficava imaginando o que os funcionários da empresa diriam ao constatar que o carro, deixado por eles junto ao meio-fio em um local ermo a três quarteirões do estabelecimento comercial, simplesmente desaparecesse. A repórter ficava especialmente irritada quando via dezenas de carro sendo estacionados na rua, e até recebendo multa de uma agente da CET, e na hora de testarmos o nosso carro era estacionado tranquilamente em um estacionamento. Por que diabos tinha que dar errado justamente com a gente? Dar errado, no nosso caso, era cumprir a lei. Dar certo era flagrar uma infração. Estranho, não?


Quando Nath me contou que até no Figueira Rubaiyat o carro ficava na rua, exultei. Caramba, um casal gasta mais de R$ 300 para jantar ali e os caras não têm sequer a decência de guardar num estacionamento? Minha alegria de editor que percebe um grande texto em construção só não foi maior do que na hora em que ela me contou que um manobrista havia jogado o carro sobre a calçada para desviar de outro veículo e danificara uma calota dianteira com a barbeiragem. Pronto, já não tínhamos do que reclamar. A destemida repórter havia conseguido flagrar um belo cardápio de deslizes e incorreções.


Um dos carros usados na reportagem, aliás, é meu. Justamente o que teve a calota danificada. Não vou entrar em detalhes sobre o que mais aconteceu com ele, inclusive com a destemida repórter ao volante. Até o estagiário teve a oportunidade de guiá-lo durante a apuração da matéria. Dia desses, a Nath postou no Facebook alguma coisa como "quantas pessoas não gostariam de ter a chance de usar o carro do chefe". No meu caso, acho que não teve muita graça para ela. Seria melhor se fosse um Audi, um Toyota, ou pelo menos um Honda, diz aí! E certamente seria muito mais legal se o chefe dela fosse mais apegado ao carro, daqueles homens que curtem ler e discutir sobre motores e modelos, e que passam longos minutos todos os domingos encerando a lataria. Para mim, carro é um meio de transporte - e digo isso mesmo correndo o risco de ter de pagar três anos de terapia para meu Corsa.
Em tempo: já coloquei WD na porta do carango. O rangido registrado ao longo do vídeo toda vez que a porta abria ou fechava já estava dando nos meus nervos.

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