quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Em Brasília, uma outra perspectiva


Estive em Brasília no feriado. Na agenda do fim de semana, incluí uma deliciosa visita ao Centro Cultural Banco do Brasil, onde está em cartaz uma exposição do artista holandês M. C. Escher (no caso, MC não é "mestre de cerimônia" como se tornou mandatório com o advento do hip hop, mas Maurits Cornelis apenas, embora tenha sido com o sobrenome que o mestre da ilusão de ótica e das construções impossíveis tenha ficado conhecido). Desconfio que muitos da minha geração tiveram a mesma oportunidade de conhecer algumas de suas xilogravuras e litografias, talvez em uma aula de geometria ou mesmo em jovens tardes lisérgicas entre coqueiros ou ipês. A queda d'água que culmina em um impossível caminho ascendente é uma de suas obras mais lembradas.
Parece que a exposição não está prevista para vir a São Paulo, o que é uma pena. Ver de perto cada uma de suas criações é um grande barato. Deu vontade de ter conhecido e mesmo convivido com esse senhor de cavanhaque. O que haveria dentro de sua mente? O que ele se permitiria deixar transparecer?
Antes de deixar o CCBB, assistimos, Aline e eu, a um vídeo em 3D que busca desconstruir seu processo criativo e apresentar cada uma de suas construções da maneira como ela de fato seria se pudéssemos circundá-la de helicóptero. E, evidentemente, não pude deixar de tirar uma foto gaiata, imitando o famoso auto-retrato do mestre holandês. Porque Escher é assim: ele nos inspira gaiatices e irreverências. Nada melhor para voltar ao trabalho renovado.
Na mesma noite daquele domingo, os jornais confirmaram o que eu já imaginava ouvir: Dilma Rousseff foi eleita a primeira presidente do Brasil, a primeira mulher a comandar o país desde que uma princesa de nome Isabel rendeu o pai no governo do império e entrou para a História como a libertadora dos escravos ao assinar a Lei Áurea. A eleição da ex-guerrilheira que jamais havia disputado um cargo eletivo, mas que dedicou uma vida a cargos técnicos da administração pública diz muito do que se espera dos próximos quatro anos. Menos bravatas e menos teatro, na comparação com o eterno protagonista Luiz Inácio Lula da Silva, e mais resultados.
A eleição de Dilma vem recheada de simbologias. É a primeira mulher, como destacado em todos os jornais, mas uma mulher mais durona do que muitos homens e menos afeita a vaidades femininas do que o usual. É também a primeira representante da geração da resistência, que flertou com o marxismo e pegou em armas para combater a cassação das liberdades individuais promovidas por um regime militar sanguinário a partir do final dos anos 1960. É, no retrovisor, uma pessoa com mais estudo e mais habilidade em tomar decisões do que seu antecessor no cargo, o que pode ser um alívio para aqueles que, como eu, costumam se irritar quando o jogo de cena supera a ação e a "encheção de linguiça" vira expediente estrutural na condução de políticas públicas e na investigação de corrupção. Sem o carisma de Lula nem o partido nas mãos, Dilma Russeff terá inevitavelmente de assumir uma postura mais diplomática e humilde, muito embora tenha a seu favor um sentido de soberania que parece trazer desde o berço e, ainda mais relevante, uma inédita maioria no Congresso, que não deverá ser desperdiçada.
O que tudo isso tem a ver com Escher? Eu diria, correndo o risco de forçar a amizade, que ele nos ensina a olhar o mundo com outros olhos, a questionar o tempo todo o que aparece à nossa frente, a duvidar do que se pinta no papel e de todos os elementos empregados pelas instituições clássicas para nos acondicionar a uma única visão das coisas. Também a eleição de Dilma me parece um lampejo de nova perspectiva. E eu torço por ela.

2 comentários:

  1. Adorei a foto.
    Sobre a matéria, ótima denúncia. A maioria nem imaginava o desrespeito desses "profissionais" pela propriedade alheia.
    PS. Também fui de Dilma.

    Abração

    ResponderExcluir
  2. PS 2 , no comentário anterior, eu me referi a matéria dos manobristas (cara, cadê meu caro?)

    abração ^^

    ResponderExcluir