domingo, 3 de outubro de 2010

Dois pesos...

O Estado está sob censura há 429 dias. A informação está lá, impressa em um quadradinho encaixado num canto de página do primeiro caderno. Os diretores do jornal ainda não se cansaram de publicar, diariamente, o cálculo atualizado do tempo da censura. A estratégia pode ser justificável em tempos paranóicos como os nossos, quando as bravatas do presidente (nos estertores de seu segundo mandato) provocam arrepios nos zeladores da democracia. O que espanta é descobrir que os mesmos jornalões que garimpam indícios autoritários nos discursos de ministros - e se esforçam em divulgar ilações sobre um eventual controle da mídia - mostram as garras na hora de impedir a liberdade de imprensa daqueles que os vigiam e combatem. Censura é coisa boa quando serve a nossos propósitos, parece reconhecer a direção da Folha de S. Paulo ao interromper, com amparo judicial por meio de antecipação de tutela, a veiculação do site Falha deS. Paulo, sátira inaugurada em meados de setembro pelos irmãos Lino Ito Bocchini (jornalista da revista Trip) e Mario Ito Bocchini.
A alegação, evidentemente, foi de uso da marca. Tal expediente permite ao jornalão prescindir de maiores discussões, apelações ou análise do mérito. Logomarcas e tipologias são protegidas por lei, e não se fala mais nisso. Toda sátira, entretanto, pressupõe utilizar o objeto principal como plataforma para digressões e criações, de forma espirituosa ou ácida, a depender do escopo da crítica pretendida. Designers de camisetas são craques nisso, acostumados a transformar o logo da Puma em apologia ao cigarro ou a adicionar as palavras "duma égua" após o logo da Fila. Nascidos da fusão editorial dos irreverentes Planeta Diário e Casseta Popular, nos anos 1980, os humoristas do Casseta & Planeta não estariam aí até hoje não fosse a vasta habilidade em produzir paródias.

Um jornal como a Folha poderia ter se abstido de comprar essa briga. Preferiu peitar o site, tal qual um Golias enfurecido. Os autores da Falha, sem combustível para arriscar o pagamento de multa diária de R$ 1 mil, retiraram o site do ar, deixando apenas um último registro de indignação. Poderão retomar o projeto, se assim quiserem, e manter grande parte do conteúdo produzido em suas duas semanas de vida, até o assassinato precoce no último dia 30, desde que retirem as referências visuais feitas ao jornal, precisamente o uso do logo. Material não vai faltar. No noticiário produzido pelo jornal, pipocam pensamentos a serem desconstruídos e manchetes a serem ironizadas. Nada como um processo eleitoral, acompanhado da erupção recente dos deliciosos #DilmaFactsByFolha (alçados aos trending topics do Twitter há cerca de um mês), para aguçar nosso olhar sobre o jornalismo que nos acostumamos a consumir. Eu prefiro acreditar que um outro jornalismo é possível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário