segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Feijão com Lady Gaga


Acabo de chegar de Chicago. E já fui logo colocando um CD do Muddy Waters, adquirido uma semana atrás no Delta Blues Museum, em Clarksdale. Encravada no vale do Mississippi, a menos de uma hora de Memphis, Clarksdale é considerada o berço do blues e ficou especialmente famosa em razão de uma encruzilhada onde, supostamente, Robert Johnson teria firmado contrato com o cramulhão (o pé-preto, o sem-nome, o coisa-ruim) para se tornar o maior guitarrista do estilo nos anos 1930.


Passamos dois dias nos arredores de Memphis, onde também visitamos a mansão de Elvis, antes de pegar o trem para Chicago, a cidade do vento (segundo os americanos), dos gângsters (segundo Hollywood), dos arranha-céus (segundo os amigos da FAU) e do jazz moderno.

Estive pela primeira vez em Chicago em 2001, salvo engano, ao desdobrar uma passagem de volta de Detroit, onde cobrira uma feira de ciência e tecnologia para a revista ISTOÉ. Especialmente interessado em arquitetura na ocasião, dediquei meu único dia na cidade a percorrer os primeiros edifícios com mais de doze pavimentos do mundo, construídos nos anos 1880 e 1890 (após o grande incêndio que destruiu Chicago em 1871). Lembro de ter encerrado aquela tarde no 103- andar da Sears Tower, quando ela ainda perdia para o World Trade Center o título de maior edifício das Américas. Voltei agora, apenas para parabenizar a nova campeã.

Dessa vez, no entanto, não foi a arquitetura dos edifícios que chamou minha atenção, mas os maravilhosos monumentos e o invejável paisagismo do Grant Park, implantado à beira do Lago Michigan. Como uma espécie de Central Park, ou um Ibirapuera de Chicago, o parque reúne os principais museus da cidade, dezenas de barracas de cachorro quente e, nos fins de semana, famílias, casais de namorados e grupos de amigos ao redor de generosas cestas de piquenique. A porção mais ao norte, denominada Millennium Park, ainda não existia em 2001. Tampouco o Cloud Gate, a enorme escultura de alumínio em forma de feijão que reflete todo o skyline da Avenida Michigan e a nós mesmos em um jogo de imagens distorcidas, lúdicas e fascinantes.

O “bean” me arrebatou por quase trinta minutos e me fez ficar com raiva por estar sem a câmera. Voltei com ela à noite e ainda quis ir de novo, na manhã seguinte.

Esse turista que olha para cima no canto direito da foto abaixo sou eu, brincando de tirar fotos de mim mesmo.

Na sexta-feira, perto da hora do almoço, estranhei o intenso movimento de adolescentes nos arredores do Grant Park. Grupos enormes rumavam para lá, os rapazes de regatas e as garotas com shorts curtíssimos, quase sempre com garrafas de água nas mãos. Trânsito impedido, marronzinhos com apito na boca, cambistas vendendo ingresso, um som vindo lá do meio do gramado. Só então, tratei de me informar. Descobri que, de sexta a domingo, haveria ali um festival chamado Lollapalooza, que acontece todos os anos. O “Chicago Tribune” trazia o mapa dos oito palcos e a lista das atrações com os respectivos horários. Em um deles, a última atração da noite de sexta (começando às 20h, o que nos padrões brasileiros é quase uma temeridade) seria o fenômeno pop Lady Gaga. Simultaneamente, outro palco seria ocupado pelos Strokes. No sábado, os veteranos do Green Day. Explicava-se, assim, a profusão de camisetas regatas e shorts curtíssimos.

Como minha vibe era outra, aproveitei a mesma noite de sexta, a última das quatro que passei na cidade, para fechar com chave de ouro meu périplo pela terra do blues e do jazz. Por volta das sete, cheguei com minha irmã Maíra ao Buddy Guy’s Legends, casa de blues de propriedade do próprio Buddy Guy, onde esse monstro do blues moderno costuma dar uma canja de vez em quando. Ficamos pouco mais de uma hora ali, bebendo uma cerveja regional ao som de uma dupla de guitarra e teclado, até outra irmã, a Luanda, chegar. De lá, seguimos em direção ao Andy’s, uma casa de jazz com décadas de história, e jantamos ao som de um ótimo quinteto de fusion, formado por teclado, baixo (elétrico), bateria, trompete e trombone e liderado pelo trompetista Corey Wilkes. Finalmente, rumei sozinho para o Green Mills a uma hora da manhã, empenhando um restinho de energia em favor da obrigação de conferir de dentro a decoração da mais tradicional casa de jazz de Chicago, onde a turma de Al Capone costumava se reunir quando minha avó era uma mocinha. Piano, baixo, bateria e sax derramavam seu free jazz cheio de citações de bop e cool enquanto eu derramava uma pint de Guiness junto ao balcão.

O cenário do Green Mill não nega os filmes de gângsters: móveis de madeira de lei, fixos no chão, com estofado de veludo verde musgo, duas ou três colunas no meio do salão impedindo uma visão integral da banda e os impagáveis sofás em meia-lua junto à parede, onde se acomodam quatro ou cinco pessoas ao redor da mesa. E o balcão, um enorme aparador de madeira que se estende desde a entrada até vencer dois terços da casa, servido por um ex-hippie tatuado e uma mulher enorme, recém-saída de um western americano. Ao meu lado, quando minha pint já estava meio vazia (ou meio cheia, a contar pelo meu ótimo humor), sentou-se um deficiente visual, idoso, negro, de muleta na mão e óculos escuros, trazido até a banqueta por um funcionário da casa. Pediu birita à matrona do bar com jeito de habitué, possivelmente um velho músico de jazz que, um dia, soprou seu trompete ou dedilhou seu piano naquele mesmo palco. Só faltou levar a câmera.

Um comentário:

  1. "Um festival chamado Lolapalooza" - aaah, Xara, eu me sinto uma tiazinha em ótima cia lendo seu post ;)
    E que puta viagem, hein!
    Também me apaixonei pelo Bean. Já entrou para a lista dos monumentos modernos preferidos - mas este eu ainda preciso conferir de perto.
    beijo grande, saudade
    Camie

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