quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Coisas de amigo

Estou há trinta e poucos minutos chorando. Comecei a chorar na página 274, acho, e continuei assim até a página 301, a última. Tive de interromper a leitura umas três vezes, incapaz de decifrar palavra com a vista turva, embrumada. Histórias de amigos fazem isso comigo.


Amizade, para mim, é alumbramento dos mais assustadores. Magia pungente que desafia razão e senso. Cumplicidade e afeto de irmãos. As amizades púberes, ou adolescentes, são ainda mais surpreendentes pela permanência e pelo alcance. Envergadura e autonomia de vôo. Sinto e ajo em coro com Caetano: "a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade - e quem há de negar que esta me é superior?"

Edney Silvestre foi uma grata surpresa. Se eu fechar os olhos agora não é um romance sobre um assassinato, nem sobre uma investigação, como fazem supor os primeiros capítulos. Trata-se de um tratado eloquente e catártico sobre esse troço esquisito chamado amizade. Troço emocionante. Troço que ensina e seduz.
Concluir o livro, a galope, me fez olhar com saudade - mas também com orgulho - para o tanto de coisa que aprendi com meus amigos. Contam-se nos dedos, aliás. Os amigos. Aqueles da adolescência, estruturais e fundantes, em apenas uma mão. Amigo de consonância e parceria permanente, companheiro e camarada, a despeito do tempo e do espaço, como Eduardo para Paulo e Paulo para Eduardo, guardo apenas um. E basta. Sempre bastou.


"Eduardo correu para alcançá-lo. 
- Para onde você está indo, com tanta pressa?
- À merda.
- Calma, Paulo!
- Vou à merda porque eu sou um merda! Todo mundo ri de mim! Todo mundo debocha de mim! Ninguém me respeita! Meu pai não me respeita, meu irmão não me respeita, nenhum professor me respeita, nenhum colega me respeita, ninguém na escola me respeita. Ninguém na minha casa me respeita. Ninguém. Em lugar nenhum. (...)
- Calma, Paulo, calma!
- (...) Eu sou um merda. E eu não gosto de ser um merda! Eu não quero ser um merda na vida.
- Você não é. E eu te respeito. Eu sou teu amigo.
- E o que que isso adianta?
- Muita coisa.
- Que coisas?
- Coisas de amigo.
- Que coisas? Hein? Hein? Que coisas, Eduardo?
- Coisas. Como agora.
- Agora o quê?
- Agora para te dizer que você não é um merda.
- Hein? O quê?
- Você não é um merda.
- E por que eu não sou?
- Porque você é meu amigo.
- E daí?
- Se eu tivesse um irmão, eu queria que fosse você.
Paulo calou-se. Abaixou a cabeça. Sentiu vergonha. Quis se desculpar e apertar a mão de Eduardo, mas não fez nem uma coisa nem outra."

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Dentro.


Contribuição de Edney Silvestre ao Tudo Cabe:
"Achou que já tinha passado por aquela situação, a mesma, igualzinha, alguma vez no passado ou agorinha mesmo, e não entendeu o que era nem por que seus olhos tinham se enchido de lágrimas. Outra vez isso, pensou, outra vez essa... essa... o quê?, tomava conta dele como um aperto no corpo inteiro, como se algo estivesse machucado, ralado, ardendo. Mas lá. Dentro. Uma pontada. Não uma dor: pontada. Fina, fina, fininha. Doía fino. E levava tempo para passar. Ou, ao menos, amainar."
O trecho está no livro Se eu fechar os olhos agora, de 2009.