Na semana que passou, no entanto, pude ver o quanto a alteração no nome de uma rua pode ser essencial para a auto-estima de seus moradores e, acima de tudo, para que possamos celebrar, passo a passo, o iminente resgate da memória nacional e a tão sonhada conquista da cidadania. Na segunda-feira 23, em São Carlos (SP), foram inauguradas as primeiras placas com o nome de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife que, nos anos 70, firmou-se como um dos mais ativos arautos do combate à ditadura. Meses atrás, a Rua Dom Hélder Câmara tinha outro nome, de triste lembrança: Sérgio Paranhos Fleury.

Que justificativas poderia ter um vereador de São Carlos para propor (e conseguir a aprovação!) de uma lei cuja única finalidade fosse render homenagens ao mais cruel e sanguinário

Fleury não nasceu em São Carlos, mas em Niterói, no Rio de Janeiro, e nenhuma explicação me parece razoável para justificar o nome de rua a ele atribuído. Reportagem publicada em maio de 2008 na Revista Piauí mostrou a luta de alguns moradores envergonhados para, com a assessoria de estudantes da UFSCar, rebatizar os dois quarteirões malfalados. Ninguém gosta de morar numa rua com nome de palavrão. Para promover a troca, era preciso encaminhar à vereança municipal um abaixo-assinado com as rubricas de pelo menos 75% dos moradores. Isso foi feito. E coube ao vereador Lineu Navarro, do PT, apresentar o projeto sugerindo o nome do "bispo vermelho".

Seria razoável pensar se adianta começar a clamar, de modo pacífico, mas decidido e firme, por justiça, enquanto a própria vida ou instituições a que pertença estejam comprometidas com a engrenagem das injustiças e da opressão. Na medida em que houver sinceridade em reconhecer a contradição provisória, na medida em que houver desejo sincero de encontrar, quanto antes - para si e para as instituições a que esteja preso - os caminhos da libertação, é ótimo ir-se comprometendo com a verdade e com a justiça.Creio que São Carlos pode se orgulhar da rua recém-nascida. Falta à capital paulista - um dia, quem sabe... - encontrar nomes melhores para o "elevado" Costa e Silva, a Rodovia Castelo Branco, e, mais urgente do que todas, a ponte General Milton Tavares de Souza, assim batizada em homenagem a um torturador contumaz, que foi chefe do Centro de Informações do Exército (CIE) nos anos 70 e comandante do II Exército no anos 80.
Já pensei muito sobre esse assunto e me divido entre os dois lados!
ResponderExcluirAcredito que é benéfico para muitos que os palavrões sejam devidamente retirados dos postes. Homenagear indivíduos com história e estórias vergonhosas é algo que realmente não tem cabimento.
Ao mesmo tempo, porém, estamos apagando nossa própria história. O fato de termos em nossa São Paulo um Elevado Costa e Silva ou uma Rodovia Castelo Branco revela que, em algum momento, estivemos dispostos a aceitar esses emplacamentos. Que em dado momento, a homenagem foi feita.
Talvez a maneira de impedir que essas aberrações aconteçam novamente seja justamente saber que, um dia, elas aconteceram.
Guardadas as proporções, é um pouco o que Hannah Arendt fala sobre o holocausto. Não devemos apagar esse fato da nossa memória justamente para impedirmos que aconteça novamente.
Abraços