segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O editorial do Estadão

Melhor assim. Em editorial publicado neste domingo, com o título "O mal a evitar", o jornal O Estado de S. Paulo declara apoio a José Serra. "Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República", diz o texto, "e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a condução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado porvalores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País."
Durante a semana anterior, em entrevista ao portal Terra, Lula havia alfinetado o posicionamento ideológico dos diários brasileiros, de maneira generalizadora, em mais um discurso recebido como sinal de destempero e autoritarismo pelas empresas de comunicação. "A imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido", alardeou o presidente. "Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada." Em resumo: Somos todos governados por um ditador que não tolera o contraditório, acusam a revista mais vendida do Brasil e seus principais jornalões. Golpista é a mídia, retribui o chefe de Estado.
Declarar apoio é prática habitual em veículos de comunicação dos Estados Unidos. Aqui, as mesmas "nove ou dez famílias" que controlam a imprensa, nas contas de Luiz Inácio, se apegam ao (frágil) conceito de imparcialidade como se dele tirassem seu sustento e dele dependesse seu faturamento anual. Bobagem. A opção é sempre evidente. Sem adentrar no âmbito dos motivos e das intenções, sabemos perceber quando a Carta Capita e a IstoÉ se inclinam em favor de Dilma e quando Serra é incensado por Veja e Época, para além dos jornalões. Suzana Singer, ombudsman da Folha, tem razão quando reclama, na edição deste domingo, que Dilma e Serra perderam espaço na cobertura jornalística em favor de uma batalha travada entre o presidente e a imprensa. "Quem perde com esse debate turvo é o eleitor não militante, que gostaria de saber um pouco mais sobre o que pensam os candidatos e o que pretendem fazer", diz o texto. A mesma ombudsman concorda que "os críticos à Folha têm razão quando afirmam que o noticiário está mais negativo a Dilma do que a Serra" e que "no afã de esmiuçar a biografia da candidata do governo, fatos sem importância ganharam destaque indevido". São os ônus de liderar as pesquisas e representar o governo em exercício. Imprensa, no Brasil, é quase sempre oposição - e isso valia para Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e Fernando Collor. O chato, o ruim, o triste, é vislumbrar uma oposição irresponsável e rancorosa, como muitas vezes foi a atitude do mesmo presidente Lula em tempos de oposição - e que a história mostrou equivocada e contraproducente.
O Estadão fez bem em declarar quem é, afinal, seu candidato. Agora só falta o resto da imprensa "imparcial" fazer o mesmo.

domingo, 19 de setembro de 2010

Notas sobre uma semana que já deu

1- De acordo com o laudo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, ganhei uma "esofagite não erosiva distal" e uma "gastrite erosiva de antro de leve intensidade". As duas devem ser contagiosas. Mantenham distância segura.

2- Em mês de estreia, sem coquetel nem coletiva de imprensa, fechei 27 páginas da revista. Falta uma. Apenas uma. E ainda não consigo entender por que estou aqui jogando conversa fora, quando poderia estar honrando esta dívida.

3- Por falar em dívida, me disseram que eu teria um aumento a partir do próximo dia primeiro. Como temos um adiantamento de salário todo dia 20, com 40% do valor total, corri para ver quanto pintaria na minha conta nesta segunda. Entusiasmo interrompido às pressas: o dinheirinho é o mesmo de sempre. Descobri que os aumentos não respeitam adiantamentos.

4- Em tempos de Ti-ti-ti, há um jornalista meio maluco, meio mitônomo, meio ressentido e meio paranóico escrevendo um monte de picuinhas em seu blog. Supera em intrigas e paixão muitas das melhores novelas. E, como as novelas, parecem inspiradas na realidade. Apenas inspiradas.

5- Não, não é a mim que me referi no item anterior - embora admita que eu também tenha meu lado meio maluco, meio mitônomo, meio ressentido e meio paranóico.

6- Por falar nisso, nesta sexta-feira uma amiga me fez um elogio no trabalho e eu tomei como crítica. Na hora, emburrei, sentindo-me desautorizado. Foi um alívio quando ela me explicou que havia sido um elogio. No dia seguinte, li no Quiroga: "Comunicar-se não é o mesmo que comunicar. Quando você se comunica, leva em conta que há outra pessoa à sua frente e se dispõe a ouvi-la. Quando você comunica, você torna irrelevante haver um ser humano à sua frente." Foi como um deja vu. Lembrei as aulas da faculdade, quando discorríamos sobre emissor e receptor, e sobre os ruídos que podem ocorrer no processo de comunicação, fazendo com que o receptor não entenda a mensagem da mesma maneira como o emissor a pensou. E nós, dois comunicadores profissionais, que se gostam e se respeitam, fomos vítimas disso.

7- Também lembrei um conto que li quando criança, engraçadíssimo, no qual um americano interessado em comprar uma propriedade bucólica na Inglaterra, após visitar o casarão, envia uma carta ao proprietário pedindo mais informações a cerca do WC. Como WC é expressão americana, pouco usada na Inglaterra (ou vice-versa, sei lá), o proprietário conclui que o candidato a comprador se refere à "white chapel", a capela. Em sua resposta, surge uma descrição bastante detalhada do ambiente, com frases como "tem lugar para 40 pessoas sentadas e 80 em pé", "fica a apenas cem metros da casa" e "tudo o que é recolhido ali é encaminhado a instituições de caridade". Eu me divertia horrores tentando imaginar um banheiro com essas qualidades todas. E nem podia imaginar que, um dia, entenderia o que são ruídos na comunicação lembrando corriqueiramente daquele conto. Infelizmente, não faço ideia de quem seja o autor.

8- Tenho reatado conversas com colegas que não vejo há algum tempo. Sinto-me feliz por saber que há pessoas que eu admiro querendo colaborar com a revista, entusiasmadas e dispostas. Principalmente quando recebo e-mails de jornalistas que eu nem sequer conheço, empregados em outras redações, também interessados em frilar, se candidatar a vagas, tomar um café. O bom jornalismo ultrapassa as fronteiras entre as empresas, as editoras, os jornais. Quem pensa nessas barreiras o tempo todo, por razões óbvias, são os donos dos veículos. Nós, jornalistas, poderemos ser colegas amanhã, ou concorrentes na semana que vem. E criar esse respeito, esse trânsito, essa comunidade, é algo que me desafia e me fascina.

9- Lugar de repórter é na rua, aprendi com meus mestres. Lugar de editor, infelizmente, não é. Só na sexta-feira, passei 16 horas sentado, olhando para o computador. Parece que terei de retomar as sessões semanais de RPG...

10- Fiquei com orgulho da equipe com a qual trabalho. Não é a primeira vez, é claro, mas agora o meu trabalho passou a depender do trabalho deles como nunca. O Edu, junto com a Thais, conseguiu organizar um caloroso debate com a presença de todos os diretores dos seis colégios paulistanos melhor colocados na mais recente edição do Enem. A Andrezza e o Luiz, já atolados em outras matérias, pararam tudo o que faziam para transcrever, por duas tardes inteiras, quase três horas de gravação. A Nath teve de administrar momentos intensos de indecisões e reviravoltas profissionais sem deixar a peteca cair, trazendo soluções e acompanhando fotos de última hora com um engajamento irrecusável. O Fernando bolou infográficos, questionou abordagens e foi buscar fontes tipográficas diferentes para deixar as páginas mais interessantes. A Darlene testou diversas opções de abre até encontrar a melhor solução, muito parecida com sua primeira sugestão. Preciso comer mais feijão pra ser digno dessa gente e, quem sabe, conseguir que eles também tenham orgulho de mim.

11- Comprei passagens para ir a Brasília no feriado de Finados. Saudade do Chico, meu cumpádi, e da Flora, afilhada querida. E vou aproveitar para, finalmente, conhecer o apartamento do papai. Passei todos esses anos sem ir conhecer e, agora, ele já está praticamente com as malas prontas para voltar. Além disso, soube que existe a possibilidade de Chico, Carol, Flora e Antonio se mudarem para a Bahia. No ano que vem, quem sabe, minha visitinha será a uma cidade muito mais agradável, com "coqueiro, brisa e fala nordestina, e faróis".

12- Achei "Marvada Carne" para comprar. Depois de assistir ao novo filme do André Klotzel, o "Reflexões de um Liquidificador", fiquei interessado em rever as impagáveis atuações de Fernanda Torres e Regina Casé, naquele que é o filme nacional que mais me diverte e entusiasma. Mundo véio sem portêra...

13- Hoje não vou falar de eleição nem de futebol. Deu pra entender? Ô raça!

domingo, 12 de setembro de 2010

O Tempo

"Alice suspirou enfastiada.
- Acho que você devia ter mais o que fazer - comentou - ao invés de gastar o tempo com adivinhas sem respostas.
- Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço - disse o Chapeleiro - não falaria em gastá-lo como se ele fosse uma coisa. Ele é alguém.
- Não sei o que você quer dizer - respondeu Alice.
- Claro que não sabe! - disse o Chapeleiro, inclinando a cabeça para trás com desdém. - Diria mesmo que você jamais falou com o Tempo!
- Talvez não - replicou Alice cautelosamente - mas sei que tenho de marcar o tempo quando estudo música.
- Ah! Olhe aí o motivo! - disse o Chapeleiro. - O Tempo não suporta ser marcado como se fosse gado. Mas, se você vivesse com ele em boas pazes, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio. Por exemplo: vamos dizer que fossem nove horas da manhã, que é hora de estudar. Você teria apenas que insinuar alguma coisa no ouvido do Tempo, e o ponteiro correria num piscar de olhos: uma e meia, hora do almoço.
("Gostaria que fosse mesmo" - disse para si mesma, num sussurro, a Lebre de Março.)
- Isso seria formidável, com certeza - disse Alice, pensativamente. - Mas então... talvez eu não tivesse fome ainda, entende?
- A princípio não, talvez - disse o Chapeleiro - mas você poderia ficar em uma e meia o tempo que quisesse.
- É assim que você faz? - perguntou Alice.
O Chapeleiro balançou a cabeça negativamente, com tristeza.
- Não, eu não - replicou. - Eu e o Tempo tivemos uma briga em março passado."
(Lewis Carroll, Aventuras de Alice no País das Maravilhas, traduzido por Sebastião Uchoa Leite)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O direito à comunicação


Ontem fui ao lançamento do livro "Indicadores do Direito à Comunicação", escrito por meus amigos do Intervozes, um coletivo formado por jornalistas e radialistas preocupados com os conglomerados de mídia e sua resistência, velada ou aberta, à democratização dos meios de comunicação.
Voltei para casa interessado no tema e no título. A despeito de todos os vícios de linguagem ali reunidos - um compilado de expressões disseminadas em universidades e obras acadêmicas como "fomentar", "fortalecer o diálogo" e "desafios e opções metodológicas" -, gostei muito do que li. A justificativa do estudo, logo na página 15, serve como ponto de partida explícito da relevância da abordagem. "A defesa do direito à comunicação esbarra cotidianamente na ausência de referências objetivas", diz o texto. "Ao mesmo tempo em que se ampliam os atores envolvidos nessa luta e o entendimento de sua centralidade para a luta pelos direitos humanos, faltam elementos de referência sobre seu atual estágio de desenvolvimento e apropriação pela população". Mais além, ainda na mesma página, os autores traçam com humildade e singeleza a linha-mestra da empreitada: "A intenção desta pesquisa foi dar início ao desenvolvimento de indicadores que permitam à sociedade quantificar e qualificar os elementos fundamentais que indicam a efetivação do direito à comunicação, estabelecendo referências normativas para isso. Esta questão se torna ainda mais relevante quando se entende a comunicação como elemento chave para a democracia."
Direito à comunicação é um conceito ainda relativamente novo, que chega ao centro do debate para ser devidamente explorado e, à medida do possível, exaurido. Ele se soma ao já bastante conhecido tema da liberdade de expressão. Trata-se, se me permitem uma analogia com a campanha eleitoral deste ano, do "pós-Lula" da democratização da mídia. Vamos a mais um trecho do livro, copiado da página 23: "A liberdade de expressão é um direito humano fundamental. Entretanto, a ideia por trás do direito à comunicação sustenta que esta liberdade só pode ser alcançada de forma plena se for assegurado um conjunto mais amplo de direitos ao seu redor, como o acesso aos meios de comunicação de massa. Na prática, o direito à comunicação requer que sejam criadas, de fato, as condições necessárias para um ciclo positivo de comunicação, que envolve um processo não apenas de busca, recepção e transmissão de informações, mas também de escuta, compreensão, aprendizagem, criação e resposta - o que passa por medidas que assegurem a diversidade da propriedade e dos conteúdos dos meios de comunicação, indo além da liberdade de expressão como direito individual."
Mais provocações? Vamos lá: "De acordo com a lei, uma pessoa pobre que busca dar visibilidade à injustiça que sofre tem a mesma proteção de seu direito à liberdade de expressão, de expressar seus pontos de vista, do que um poderoso magnata dos meios de comunicação. Porém, na prática, ela carece de recursos de toda ordem - econômica, política, técnica, cultural e social - para fazer ouvir sua voz, enquanto o dono de um veículo possui os meios para garantir que sua mensagem seja amplamente ouvida. A liberdade de expressão pode ser na prática, então, uma liberdade para poucos, muito poucos. De fato, quão real é a liberdade de receber e transmitir informação quando não se pode ler ou escrever? Ou a liberdade de buscar e receber informação em lugares onde os governos e empresas não têm obrigação de fornecê-la? Ou quando o acesso a meios de comunicação como a telefonia ou a internet não são garantidos?"
Funcionário há dois anos e meio de um desses grandes grupos de mídia, dos que gozam da mais completa diversidade de recursos e instrumentos para exercer a liberdade de expressão na forma mais ampla, conforme a analogia mencionada pelos colegas do Intervozes, sinto-me de alguma forma devedor dessa frente, dessa ordem, dessa aliança. Com o novo livro em mãos, já em casa, passei um bom tempo tentando entender por que diabos ainda não procurei o pessoal do Intervozes para me associar, pedir minha "filiação" ou seja lá o que baste para que eu possa também integrar essa aguerrida militância. Um sorriso meio maroto me surpreendeu, sozinho, quando pousei novamente os olhos nas carinhosas dedicatórias rabiscadas na folha de rosto: "Ao Camilo, ator importante nesse cenário desértico, carente de boas palavras e vozes inspiradoras", começava a mensagem do João, que conheci pelo apelido de Auí quando ainda éramos garotos. "Camilo, seguimos juntos em busca de nossa utopia democrática", emendava o amigo Diogo. Deus os ouça, meus caros, Deus os ouça.

Em tempo: O livro dispõe de uma licença Creative Commons e também pode ser baixado, em pdf, clicando-se aqui.