sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Um giro pela Liverpool Paulistana

Moro na Pompéia. Mudei para cá nove anos atrás, talvez um pouco mais, egresso de um bairro vizinho, o Sumaré. Quando criança, tudo o que eu conhecia por aqui era o SESC Pompéia, um lugar que me fascinava em razão das janelas em forma de peça de quebra-cabeça e dos laguinhos repletos de seixos rolados, com ponte e tudo, distribuídos em um dos ambiente. Tinha também o Shopping Center Matarazzo, embrião do atual Shopping Bourbon, que de tão mambembe jamais se consolidou como opção comercial ou de lazer na cidade. Era lá que eu cortava cabelo quando tinha uns oito ou nove anos. E às vezes ia ao McDonald's. Adolescente, continuei frequentando o SESC, agora atraído pelos shows de música, sempre com preços acessíveis.


Minha Pompéia foi ficando cada vez maior. Bares, restaurantes, lojas, cantinhos foram se somando ao meu tímido repertório e, aos poucos, fui conhecendo a vila até tomar gosto por andar a pé por suas ladeiras. No mês passado, a revista pediu que eu fizesse um "Vá a pé" no bairro. "Vá a pé" é uma seção da Época São Paulo na qual sugerimos um roteiro, cada edição em um bairro diferente, e convidamos os leitores a conhecer cerca de dez estabelecimentos, sejam eles gastronômicos, turísticos ou comerciais, em um percurso que costuma variar entre dois e cinco quilômetros: coisa para se fazer numa agradável tarde de sábado, sem histeria de relógio. Acabei descobrindo que a Pompéia, já apelidada de "Suíça Brasileira" e de "Liverpool Paulistana", completa 100 anos agora em outubro. E confirmei, mais uma vez, meu imenso prazer em viver por essas ruas.

Convido você a conferir o mapa criado por Daniel das Neves e descobrir algumas das jóias do bairro clicando aqui.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

N.D.A.

Excerto de texto de Fabrício Carpinejar, publicado no jornal Zero Hora e no blog dele (clique aqui para ler a crônica na íntegra):

"Toda mulher é experiente em testes. Atravessou a adolescência preenchendo questionários de revistas femininas, definindo pela pontuação se é sensual, se terá sucesso financeiro, se ele a ama. (...) O homem deve ficar atento quando se apaixona. Para desvendar qual é o exame decisivo da convivência. Cada mulher elabora o seu enigma, particular e intransferível. Pode ser um convite para visitar a família no interior ou quando apresenta seu bichinho de estimação. É um questionário à paisana. Muitos marmanjos são descartados e não compreendem o motivo. O pé-na-bunda foi uma avaliação secreta em que ele deu a solução errada."

A moça do Snug Harbor

Algumas pessoas me perguntaram quem era a tal cantora que acompanhava o trio de Ellis Marsalis no show do Snug Harbor sobre o qual escrevi três posts atrás (aquela que nos brindou com Desafinado e Águas de Março). Custei a lembrar o nome da moça e acabei enviando um e-mail para a casa de shows para perguntar. Anota aí: Johnaye Kendrick. Se quiser saber mais, leia um perfil dela clicando aqui (em inglês) ou acesse o site pessoal dela clicando aqui.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

12 anos

São doze anos, baby. Não doze anos desde que nos conhecemos, mas doze anos em que voltamos a nos conhecer todos os dias. Sua razão e sua sensibilidade. Minhas vastas emoções e meus pensamentos imperfeitos. Verbo intransitivo...

Sensação gostosa ao reencontrar uma foto. Se não a primeira, por certo a segunda que fizemos juntos. 1998. A USP como ninho: coxia, estúdio, base para lançamento de foguetes. Antes de Londres, ainda. Antes de Araguaia e Marajó.
É bom ter você comigo, já lhe disse. E poder reafirmar, hoje e sempre, aquele "sim".

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Feijão com Lady Gaga


Acabo de chegar de Chicago. E já fui logo colocando um CD do Muddy Waters, adquirido uma semana atrás no Delta Blues Museum, em Clarksdale. Encravada no vale do Mississippi, a menos de uma hora de Memphis, Clarksdale é considerada o berço do blues e ficou especialmente famosa em razão de uma encruzilhada onde, supostamente, Robert Johnson teria firmado contrato com o cramulhão (o pé-preto, o sem-nome, o coisa-ruim) para se tornar o maior guitarrista do estilo nos anos 1930.


Passamos dois dias nos arredores de Memphis, onde também visitamos a mansão de Elvis, antes de pegar o trem para Chicago, a cidade do vento (segundo os americanos), dos gângsters (segundo Hollywood), dos arranha-céus (segundo os amigos da FAU) e do jazz moderno.

Estive pela primeira vez em Chicago em 2001, salvo engano, ao desdobrar uma passagem de volta de Detroit, onde cobrira uma feira de ciência e tecnologia para a revista ISTOÉ. Especialmente interessado em arquitetura na ocasião, dediquei meu único dia na cidade a percorrer os primeiros edifícios com mais de doze pavimentos do mundo, construídos nos anos 1880 e 1890 (após o grande incêndio que destruiu Chicago em 1871). Lembro de ter encerrado aquela tarde no 103- andar da Sears Tower, quando ela ainda perdia para o World Trade Center o título de maior edifício das Américas. Voltei agora, apenas para parabenizar a nova campeã.

Dessa vez, no entanto, não foi a arquitetura dos edifícios que chamou minha atenção, mas os maravilhosos monumentos e o invejável paisagismo do Grant Park, implantado à beira do Lago Michigan. Como uma espécie de Central Park, ou um Ibirapuera de Chicago, o parque reúne os principais museus da cidade, dezenas de barracas de cachorro quente e, nos fins de semana, famílias, casais de namorados e grupos de amigos ao redor de generosas cestas de piquenique. A porção mais ao norte, denominada Millennium Park, ainda não existia em 2001. Tampouco o Cloud Gate, a enorme escultura de alumínio em forma de feijão que reflete todo o skyline da Avenida Michigan e a nós mesmos em um jogo de imagens distorcidas, lúdicas e fascinantes.

O “bean” me arrebatou por quase trinta minutos e me fez ficar com raiva por estar sem a câmera. Voltei com ela à noite e ainda quis ir de novo, na manhã seguinte.

Esse turista que olha para cima no canto direito da foto abaixo sou eu, brincando de tirar fotos de mim mesmo.

Na sexta-feira, perto da hora do almoço, estranhei o intenso movimento de adolescentes nos arredores do Grant Park. Grupos enormes rumavam para lá, os rapazes de regatas e as garotas com shorts curtíssimos, quase sempre com garrafas de água nas mãos. Trânsito impedido, marronzinhos com apito na boca, cambistas vendendo ingresso, um som vindo lá do meio do gramado. Só então, tratei de me informar. Descobri que, de sexta a domingo, haveria ali um festival chamado Lollapalooza, que acontece todos os anos. O “Chicago Tribune” trazia o mapa dos oito palcos e a lista das atrações com os respectivos horários. Em um deles, a última atração da noite de sexta (começando às 20h, o que nos padrões brasileiros é quase uma temeridade) seria o fenômeno pop Lady Gaga. Simultaneamente, outro palco seria ocupado pelos Strokes. No sábado, os veteranos do Green Day. Explicava-se, assim, a profusão de camisetas regatas e shorts curtíssimos.

Como minha vibe era outra, aproveitei a mesma noite de sexta, a última das quatro que passei na cidade, para fechar com chave de ouro meu périplo pela terra do blues e do jazz. Por volta das sete, cheguei com minha irmã Maíra ao Buddy Guy’s Legends, casa de blues de propriedade do próprio Buddy Guy, onde esse monstro do blues moderno costuma dar uma canja de vez em quando. Ficamos pouco mais de uma hora ali, bebendo uma cerveja regional ao som de uma dupla de guitarra e teclado, até outra irmã, a Luanda, chegar. De lá, seguimos em direção ao Andy’s, uma casa de jazz com décadas de história, e jantamos ao som de um ótimo quinteto de fusion, formado por teclado, baixo (elétrico), bateria, trompete e trombone e liderado pelo trompetista Corey Wilkes. Finalmente, rumei sozinho para o Green Mills a uma hora da manhã, empenhando um restinho de energia em favor da obrigação de conferir de dentro a decoração da mais tradicional casa de jazz de Chicago, onde a turma de Al Capone costumava se reunir quando minha avó era uma mocinha. Piano, baixo, bateria e sax derramavam seu free jazz cheio de citações de bop e cool enquanto eu derramava uma pint de Guiness junto ao balcão.

O cenário do Green Mill não nega os filmes de gângsters: móveis de madeira de lei, fixos no chão, com estofado de veludo verde musgo, duas ou três colunas no meio do salão impedindo uma visão integral da banda e os impagáveis sofás em meia-lua junto à parede, onde se acomodam quatro ou cinco pessoas ao redor da mesa. E o balcão, um enorme aparador de madeira que se estende desde a entrada até vencer dois terços da casa, servido por um ex-hippie tatuado e uma mulher enorme, recém-saída de um western americano. Ao meu lado, quando minha pint já estava meio vazia (ou meio cheia, a contar pelo meu ótimo humor), sentou-se um deficiente visual, idoso, negro, de muleta na mão e óculos escuros, trazido até a banqueta por um funcionário da casa. Pediu birita à matrona do bar com jeito de habitué, possivelmente um velho músico de jazz que, um dia, soprou seu trompete ou dedilhou seu piano naquele mesmo palco. Só faltou levar a câmera.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Hurricane City

"I showed my tits in New Orleans". A frase, escrita em uma camiseta pendurada na vitrine de uma loja de souvenirs, não significava nada para mim. Não até eu fazer meu primeiro passeio noturno pela Bourbon Street. Da ampla sacada do hotel Sonesta, duas dezenas de rapazes debruçados sobre o beiral provocavam as garotas que passavam pela rua a exibir seus dotes. Quem topava a parada recebia como prenda um colar de contas, às vezes mais de um, atirado lá de cima pelos machos exaltados que, digamos assim, sentiam-se contemplados com o espetáculo. Logo uma cambada estrategicamente posicionada empunhava suas câmeras em direção às presas encurraladas (e invariavelmente sorridentes). I did the same.


A brincadeira ganha estímulos nos 30 graus da Lousianna, onde nem a noite arrefece o verão precaribenho. A brincadeira é democrática. Vi senhoras obesas, muito obesas, levantarem a camiseta e seguirem lépidas com seus colares. Outra passou de cadeira de rodas e precisou de ajuda para recolher os colares que cobriram o chão ao seu redor. Uma jovem beldade, de cabelos loiros e nariz arrebitado, não ficou satisfeita ao ganhar quatro colares e voltou a mostrar as "tits", dessa vez para a extremidade oposta da sacada, a fim de arrebatar mais dois ou três presentinhos. A moça na foto abaixo, a mais desenvolta de todas, custou a prender novamente o biquini, com tantos admiradores por perto.


O leitor dirá que, com essa roupa, a jovem acima só podia estar querendo ficar pelada. Eu explico: ela é hostess em um cabaré, uma das muitas casas de strip instaladas na Bourbon St. Como hostess, não tinha nada de perambular pela rua e abrir o biquini. Mas aposto uma jambalaia com quem duvidar que o gesto bastou para que ao menos um par de clientes fosse atraído para sua toca. Ah, esses inferninhos...


Contei umas dez casas do ramo em 600 metros de rua. Algumas mais clássicas, com um rapaz de terno posando de leão-de-chácara e uma ou duas garotas de corpo escultural fazendo as vezes de isca junto à entrada. Negras ou loiras, em sua maioria, para atender aos desejos mais pungentes dos turistas, sejam eles escandinavos ou sulamericanos.


Outras vezes, vale uma dancinha, um rebolado, um arremedo de poledance como canja, aperitivo.


As casas mais criativas investem em cenografia e chegam a colocar um balanço junto a uma janela, de frente para a calçada, onde a prata da casa se alterna em vai-vens convidativos. "Tá me esperando na janela, ai, ai / não sei se vou me segurar..."


As minhas preferidas, no entanto, são aquelas que anunciam "no cover", a ausência de couvert, desde o meio-fio. Melhor ainda quando uma gatinha cumpre o papel de homem-placa, distribuindo sorrisos entre cartazes luminosos de capas de revista e promessas de sexo explícito.


Esse erotismo tem tudo a ver com essa cidade portuária, de maioria negra e alto sincretismo religioso, onde a boa música popular americana se forjou e continua em construção. A mim, lembrou Salvador, com sua culinária peculiar, normalmente apimentada, sua forte tradição católica combinada à resistência do candomblé (aqui é o voodoo que sobrevive ao cristianismo batista), e a cena musical insuperável, em efervescência e em história.


A Bourbon St é o epicentro de tudo isso. Um bar colado em outro, quase todos com música ao vivo. Jazz (do dixieland ao cool), blues, country, rock e pop. Na maioria deles, basta comprar uma bebida.


Escutei muita coisa boa nos últimos dias. Um show de Jamil Sharif (acima), outro de Irving Mayfield, uma apresentação de um tradicionalíssimo conjunto de metais de New Orleans em um imperdível centro de cultura chamado Preservation Hall (abaixo).


Ali, o jazz também se espalha pelas ruas.


Nas esquinas, nos cafés e nos pontos de ônibus, varando madrugadas.


O ponto alto dessa imersão no jazz foi ter a oportunidade de conferir, na primeira mesa de uma aconchegante casa para shows intimistas chamada Snug Harbor, uma apresentação do mestre Ellis Marsalis, pianista septagenário conhecido como o primeiro patriarca do jazz por ter introduzido os quatro filhos na atividade, dos quais o mais conhecido é Wynton Marsalis. A apresentação em si, em um trio instrumental complementado por um baterista e um contrabaixista, já era de cair o queixo. Lá pelas tantas, sobe ao palco uma cantora excepcional, negra, jovem e radiante, com voz provavelmente curada em corais de igreja, e põe-se a cantar Desafinado, arriscando um português de imitação. Uma execução primorosa. Fiquei triste de as regras da casa não permitirem a produção de fotos. Terminada a canção, mundialmente conhecida na interpretação primorosa de João Gilberto, o grupo emenda um Águas de Março, dessa vez com letra em inglês. No final, mandei um "muito bom" da minha cadeira. A cantora arregalou os olhos, percebeu a presença de uma família de brasileiros a um metro de distância e sorriu encabulada. "Oh, no!" Sua benção, Tom Jobim.


New Orleans ainda se esforça para superar o baque do furacão Katrina, que inundou a cidade no início da década, e agora convive com outra calamidade, provocada por vazamentos de petróleo em sua costa. É uma cidade de gente corajosa, de fibra. Gente arretada que não se apoquenta com pouco.


Hurricane City (Cidade do Furacão) já virou apelido, visível em roupas, placas e lembrancinhas. Hurricane é também o nome de um coquetel servido em muitas casas, e até em barraquinhas nas ruas, como se fosse um capeta de Porto Seguro. Infelizmente, só agora me dou conta, deixei a cidade sem prová-lo, entusiasmado que estava com o baixo preço da Guiness e as convenientes doses de Jack Daniel's. Fica para a próxima, quando também lembrarei de montar meu estoque de colares de contas.